terça-feira, 10 de novembro de 2015

Greve, retaliação, perseguição e os impactos sobre a subjetividade do trabalhador







Por

Arthur Lobato




No Congresso Sindical da OAB, realizado no último mês de outubro em Belo Horizonte, juízes, procuradores, sindicalistas e advogados foram unânimes: a greve é um dispositivo legal, na luta capital/trabalho, em busca de direitos, sendo justificada, enquanto mecanismo de pressão, quando não há negociação entre a instituição/empresa e os sindicatos. 

No entanto, um conflito psíquico se instaura quando grevistas, servidores da Justiça, são punidos com processos administrativos. Afinal, se a greve é legal, um direito do trabalhador, por que punição? E, ainda pior, sem que se abra o diálogo entre o TJMG e o SERJUSMIG, SINJUS, representantes dos servidores da primeira e segunda instancia.

Segundo o doutor em medicina, especialista em medicina do trabalho e em psiquiatria e psicanalista Christophe Dejours, as contradições da relação entre capital e trabalho são os motivos que conduzem ao adoecer do trabalhador e ao sofrimento físico, psíquico e emocional.

A dignidade humana, portanto, tem que ser o valor supremo no mundo do trabalho e, para isso, é necessário resistir e vencer as dificuldades do trabalho, mas nem todos conseguem, daí o adoecer, o sofrimento e o fracasso.

No caso da greve, o que vemos atualmente é uma tentativa de criminalizar o movimento sindical, com práticas antissindicais e processos contra o sindicato, dirigentes e grevistas.

Foi assim em 2012 com o Sind-UTE/MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais), além das retaliações praticadas contra agentes da Polícia Federal na greve de 2013. Também os professores em Curitiba este ano foram agredidos covardemente pela polícia, com a complacência do governador do estado do Paraná. Houve violência e abuso de autoridade policial, na manifestação pela redução do preço das passagens em BH.

Acusamos também a violência moral e jurídica que está sendo efetuada contra o SINJUS-MG, SERJUSMIG, seus dirigentes e servidores grevistas. No caso da Primeira Instância, servidores estão sendo processados por divulgar informação publicada na revista Época, sobre salário de magistrados, em seu facebook pessoal.

A liberdade de expressão sofre um atentado com a proibição de veiculação na mídia da campanha salarial do sindicato, e constatamos o famoso “vigiar e punir” de Foucault: controle absoluto, até sobre a manifestação de pensamento nas redes sociais.

O mais cruel é que o “patrão”, no caso o Judiciário, é quem julga as liminares, a legalidade da greve e os próprios processos administrativos e criminais. Como esperar isenção de quem julga neste momento de conflito?

Um dos caminhos para haver isenção no julgamento envolvendo os sindicatos de servidores e o TJMG seria o das Cortes Internacionais (CIJ), via OIT, atitude que os sindicatos estão articulando.

Vamos analisar a situação do servidor(a): sem data base, sem reajuste, descontado no salário pelos dias de greve, já que não foi aceita a negociação de reposição dos dias de greve, processos administrativos que fazem com que a evolução na carreira fique estagnada e até mesmo a possibilidade de perda de promoções e progressões por causa da instauração de processos administrativos.

Causa preocupação o estado emocional e mental destes servidores e servidoras. Qual a relação com seus familiares sobre a greve e as retaliações: apoio? Admoestações? Conflitos? Crises conjugais?

Que motivação estas pessoas têm para o dia a dia do trabalho, vivenciado com a marca da retaliação, do autoritarismo, da perseguição, da lei do mais forte?
As doenças psíquicas, segundo Dejours, “envolvem a organização do trabalho, a hierarquia, o controle, a vigilância, as relações de dominação no seio do trabalho e a dominação psíquica”.

O atual trabalho de Dejours, a psicodinâmica do trabalho, que analisa a relação trabalho/sofrimento, constata que “normalidade” do trabalhador seria um resultado precário, pois seu aparelho mental está em constante luta contra as pressões, os conflitos, o abuso de poder e, de acordo com a subjetividade de cada um, os traços psicopatológicos se manifestarão na forma de sintomas variados: irritabilidade, insônia, choro, pesadelos, tristeza, desânimo; mecanismos de defesa do aparelho psíquico para simbolizar o mal estar vivido. Assim, “o sintoma revela a fragilidade do paciente” e também “os destinos possíveis da relação entre trabalho e subjetividade”.

Por outro lado, baixar a cabeça e aceitar mansamente as injustiças, principalmente sendo servidor da JUSTIÇA, vivenciar um dia a dia com a marca do autoritarismo e das perseguições não faz parte da natureza humana, a qual não pode conviver de forma saudável com a injustiça. Conflito que gera muitos dos sintomas descritos nos parágrafos acima.

Mas, voltando às retaliações, entendo, assim como outros profissionais que combatem o assédio moral no Brasil, dentre eles Margarida Barreto e Roberto Heloani, que muitas vezes um ato de intensa violência psicológica vai afetar o sujeito em seus valores morais, alterando seu emocional, criando uma fissura mental, que pode dar origem a diversos sintomas.

De acordo com a subjetividade de cada um, a intensidade da violência psicológica deste ato único, pode trazer sintomas semelhantes aos constatados nas vítimas de assédio moral. E mesmo que, cientificamente, um ato apenas de extrema violência não possa ser diagnosticado como assédio moral, por ter sido um ato único sem a questão da temporalidade, é um dano moral. O impacto da violência deste ato pode fazer com que o servidor viva um dia a dia de sofrimento, mal estar, sentimentos conflitantes de se sentir humilhado, desmotivado, impotente em não poder reagir ou reverter a situação.

Assim, para o servidor, o trabalho perde o sentido e, sem entender ou concordar com a punição, cria mecanismos de defesa para “sobreviver” com saúde no ambiente de trabalho. A violência é internalizada, introjetada pelo servidor.
A saída individual contém repressões da raiva, da mágoa, racionalizações, pensamentos obsessivos e produz diversos sintomas, podendo evoluir para o adoecer e até mesmo para o suicídio.

Seria necessário um trabalho em grupo com estes servidores para analisarmos os efeitos deste ato de todo dia se humilhar, vivenciando uma sensação de derrota e impotência, sendo punido por ter feito uma luta por causas justas e, a partir do coletivo, criar estratégias defensivas e de ação, em prol acima de tudo, da dignidade do trabalhador.

O importante é criar estratégias defensivas a partir do coletivo dos trabalhadores, para manutenção da saúde mental e emocional dos servidores, e que o sindicato continue sua luta jurídica para reverter as retaliações e garantir os direitos e a saúde destes trabalhadores.

Neste momento de greve, que gera cisões crises e conflitos, o coletivo deve ser cada vez mais fortalecido, pois somente a solidariedade entre os servidores fará com que a possibilidade de que um mundo melhor seja real.

Não podemos esquecer que toda conquista dos trabalhadores envolveu muita luta até chegarmos aos direitos trabalhistas que conquistamos.

Arthur Lobato é psicólogo/saúde do trabalhador



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