segunda-feira, 13 de junho de 2016

TJMG publica portaria autorizando participação de servidores no teletrabalho - conheça os prós e contras

O TJMG publicou, em abril deste ano, a Portaria Conjunta da Presidência nº 493/2016, que institui o Projeto Experimental de Teletrabalho no âmbito da Justiça Comum de Primeiro e Segundo Graus do Estado de Minas Gerais, e dispõe sobre sua regulamentação e funcionamento. Posteriormente, publicou também as Portarias 33/20; 3322 e 3345 todas de 2016, que autorizam a participação de servidores no Projeto Experimental do Teletrabalho. Levando em consideração esse histórico, o SERJUSMIG publica um artigo do psicólogo e especialista em saúde do trabalhador, Arthur Lobato, que faz uma avaliação sobre as possíveis consequências desta nova forma de trabalho. 
Reflexão crítica sobre o trabalho em casa (home office)
                                                                                                                                                                                                 
*por Arthur Lobato
Na sociedade informatizada em que vivemos, onde o computador pessoal é mais um eletrodoméstico presente em todas as casas e apartamentos – tal qual a geladeira, TV, fogão –, parece incoerência se deslocar de casa ao trabalho, enfrentando trânsito, dificuldades de vagas e transporte público cuja marca são ônibus lotados, em viagens lentas e desconfortáveis. Enfim, é fato que a ida e a volta ao trabalho consome muito tempo e energia de cada um de nós.
Com o avanço da internet e da banda larga, surge a proposta do teletrabalho, ou o trabalho em casa (home office). Aparentemente, uma solução para muitos trabalhadores, essa metodologia de trabalho está sendo implementada nos tribunais estaduais.
No entanto, o trabalho no mundo globalizado apresenta três características principais, seja na iniciativa privada ou no serviço público: o uso da tecnologia para acelerar o ritmo em busca de mais produtividade e metas que devem ser batidas constantemente. Esses três elementos, tecnologia, metas e produtividade, são a base do capitalismo. Adam Smith, no século XVIII em seu livro “A riqueza das Nações” citou a tecnologia e a produtividade como essenciais ao desenvolvimento e lucratividade no capitalismo, afinal, foi a tecnologia das máquinas movidas a vapor e a fiadeira, que movimentou locomotivas e fábricas, gerando mais produtividade e lucro na chamada Primeira Revolução Industrial. 
A produtividade, dogma do modo de produção capitalista, pode ser conseguida pela aceleração do ritmo de trabalho, pela tecnologia, pela agilidade ou capacidade física/psíquica dos envolvidos no trabalho, pela captura da subjetividade do trabalhador pela empresa/instituição ou pelo recurso de obrigar o trabalhador fazer horas extras e ser multifuncional.
A captura da subjetividade do trabalhador, segundo Ricardo Antunes[1], “é uma forma de controle, e uma organização do trabalho capaz de se apropriar ainda mais efetivamente do intelecto do trabalho, na sua dimensão cognitiva”, ou seja, o que seria um problema da empresa torna-se um problema para o trabalhador resolver, pois ele “é a empresa”.  
Segundo Giovanni Alves [2], o trabalhador é encorajado a pensar pro-ativamente e a encontrar soluções antes que o problema aconteça. O trabalhador é obrigado a pensar muito mais, mas colocando a inteligência humana a serviço do capital. Alves afirma em seu livro “Trabalho e Subjetividade” que a captura da subjetividade do trabalho pelo capital “é a gestão do trabalho vivo e da força de trabalho”. O mesmo autor, citando Marx, afirma que “com as redes de informação tornou-se possível estar junto à distância”. O trabalhador social ou o trabalhador combinado, por meio das novas tecnologias de informação e comunicação, não apenas estendem (ou estreitam) o mesmo espaço/tempo, mas podem virtualmente suprimi-lo com a constituição de um novo local de cooperação complexa, o ciber espaço.  
Portanto, estas já são algumas características do trabalho à distância: uso da tecnologia, o trabalhador produzindo distante do local de trabalho, mas integrado ao processo produtivo no ciber espaço. Giovanni Alves afirma também que os investimentos em tecnologia, ciência e infraestrutura social “apresentam-se como um método, empregado pelo capital, para mediante o aumento de sua força produtiva explorá-lo mais lucrativamente, ou seja, a tecnologia vem para explorar ainda mais o trabalhador”. 
Assim, a captura da subjetividade se dá por meio da coerção ou do consentimento, da manipulação de valores fetiche (trabalhar em casa), mas como afirma Ricardo Antunes, o sentido da captura da subjetividade é traduzido na figura do inspetor interior que perscruta com seu olhar as tarefas do trabalho de si e dos outros. O operário ou empregado torna-se patrão de si mesmo e dos outros, através de um corpo útil, produtivo e submisso conforme constatado por Alves. 
Um exemplo atual, no TJMG, desta tentativa da captura da subjetividade do trabalhador é o home office, ou tele trabalho (trabalho à distância), ou seja, trabalhar em casa. À primeira vista é uma proposta sedutora, afinal, quem não quer ficar em casa trabalhando, sem ter que enfrentar o trânsito, entre outros fatores que geram insatisfação no trabalho? Mas como o canto das sereias que nas lendas gregas enfeitiçavam os marinheiros com seu canto, levando os navios ao naufrágio com o choque nas rochas, o teletrabalho neste aspecto é sedutor e ao mesmo tempo perigoso, pois o trabalhador seduzido por esta proposta, também pode naufragar em sua ilusão. Não percebe os aspectos negativos desta mudança no modo de trabalhar.
O Judiciário Federal já utiliza essa modalidade de trabalho, e em recente seminário sobre a saúde do servidor federal, várias críticas foram apresentadas sobre as armadilhas dessa atividade. Vamos refletir sobre esses problemas:
Espaço físico: o ambiente de trabalho deve ter um espaço diferenciado, para que haja concentração na realização do trabalho, assim, o servidor que optar pelo home office deverá ter um mini escritório em casa e internet de banda larga.
Ergonomia: o servidor será responsável pela compra e manutenção de mesas, cadeiras, impressora e computador. Ele será responsável por sua ergonomia: problemas osteomusculares causados pela atividade laboral serão de responsabilidade deste servidor, e não da instituição para a qual ele trabalha. Ou seja, a doença profissional (aquela que é característica após anos de profissão) estará desvinculada da atividade profissional.
Disciplina: em casa o horário de trabalho deve ser rígido, pois envolve metas e produtividade.
Invasão do espaço privado e familiar pelo mundo do trabalho: seria inocência acreditar que cônjuges, filhos e filhas respeitarão plenamente seu novo ambiente de trabalho. O trabalho corre risco de ser interrompido por problemas domésticos, podendo gerar conflitos familiares, já que o serviço pendente poderá ser realizado nos fins de semana, em sacrifício do convívio familiar.
Isolamento social: o trabalho cria vínculos com as pessoas que trabalham juntas, e muitas vezes, em caso de dúvidas, o colega ou chefe estará ao seu lado para te ajudar. Com o home office, o servidor estará isolado, se afastando da categoria e de suas lutas profissionais, causando uma alienação nesse trabalhador que não conta com os colegas para debater assuntos de seu interesse profissional.
Problemas tecnológicos: vírus, internet lenta, interação com o PJE, segurança e velocidade dos dados.
Segundo Denise Carneiro, coordenadora de Comunicação do Sindjufe-BA, “para os sindicatos, o home office seria uma forma engenhosa para “furar” e enfraquecer as mobilizações, reivindicações e greves da categoria, além de maquiar as relações de trabalho”. Esses são alguns dos desafios para que essa modalidade de trabalho seja discutida com os servidores e sindicatos antes de sua implementação e aceitação prla categoria. Somente analisando os prós e contras pode-se chegar a condições de trabalho justas, que não provoquem o adoecer do trabalhador.
Arthur Lobato é Psicólogo/Saúde do trabalhador
[1]Ricardo Antunes é um dos principais nomes da Sociologia do Trabalho no Brasil. Professor titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp), Antunes é coordenador da coleção "Mundo do trabalho", da Boitempo.
[2]Giovanni Alves é doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e professor da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com bolsa-produtividade em pesquisa e coordenador da Rede de Estudos do Trabalho (RET), do Projeto Tela Crítica 


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