Recentemente,
uma categoria de servidores públicos entrou em greve por melhores
condições de trabalho e salários. Os servidores, neste caso, são
obrigados a seguir dois preceitos básicos: hierarquia e disciplina. Como
toda greve é uma ruptura, um momento de confronto em busca de melhores
condições de trabalho, direitos e salários, após a greve, mesmo
constando no acordo de fim de greve que não haveria nenhuma retaliação,
somente aqui em Minas Gerais, trinta e três servidores da instituição
sofreram retaliações; que vão desde o desmonte do grupo de inteligência a
viagens perigosas como método punitivo.
Práticas
autoritárias como coerção, chantagem emocional, ameaça de prisão dos
grevistas, foram exercidas pelas chefias contra os grevistas durante a
paralisação. As retaliações, no entanto, não afetam somente os
servidores, mas a própria instituição, de forma negativa. Rompe-se a
dinâmica de trabalho do grupo, é inconcebível punir os competentes,
privando-os de usar sua capacidade intelectual laboral em prol da
instituição, prejudicando também a todos nós cidadãos, já que queremos
um serviço público de qualidade. Não usar a capacidade intelectual e
afetiva do trabalhador em prol da instituição, transferindo-o para
funções aquém de suas capacidades, como mecanismo de desmotivar e
“mostrar quem manda” é um absurdo, mais um exemplo de como todo
autoritarismo é prejudicial à instituição. A forma injusta, covarde e
cruel das retaliações foi denunciada na Comissão de Direitos Humanos da
Assembleia Legislativa de Minas Gerais, causando grande impacto devido à
emoção, ao sentimento de impotência e frustração daqueles servidores
que fizeram o que era certo, dentro do direito de greve, pois muito mais
que salários, a luta era por melhores das condições de trabalho.
Fui
convidado por este sindicato para fazer uma análise do relatório de
retaliações e suas possíveis relações com o Assédio Moral. Em todas as
denúncias de retaliação, prevalece a marca do autoritarismo, do “vigiar e
punir” como já dizia Foucault, em suas análises e pesquisas sobre o
poder e o autoritarismo como método de exercer e manter o poder. Tratei
de fazer uma análise partindo do cruzamento de informações do Relatório
de Retaliações elaborado pelo sindicato, e as categorias de análise que
segundo Marie France Hyrigoen (uma das maiores especialistas sobre
assédio moral), determinam e consolidam o conceito científico do Assédio
Moral ‑ um conjunto de praticas perversas com o objetivo de
desmotivar, desestabilizar e eliminar o trabalhador de seu posto de
trabalho.
Onde há o
processo de assediar, há como consequência o adoecer do trabalhador.
Entretanto, apesar das categorias de análise comprovarem o assédio, o
item temporalidade, ou seja, o tempo em que acontece o assédio, não pode
ser incluído, pois não houve um “tempo” de perseguição, mas um ato
único de intensa violência, para cada um dos que participaram de uma
greve legal, por direitos, sem deixar de cumprir seus deveres, e, mesmo
com o documento assinado de que não haveria retaliações, esta cláusula é
rompida, ou seja mais uma vez a classe trabalhadora foi traída e
ludibriada.
Lanço então duas questões para serem debatidas:
Teremos
que esperar o tempo de sofrimento (temporalidade) para diagnosticar o
assédio moral? Teremos que esperar a vítima adoecer para poder intervir
na organização do trabalho, ou punir o assediador?
Daí a
importância da prevenção, e do debate sobre a violência laboral,
trabalho que as comissões paritárias do Tribunal de Justiça Militar de
Minas Gerais, Tribunal de Justiça de Minas Gerais iniciaram com os
sindicatos.
Mas,
voltando às retaliações, entendo, assim como outros profissionais que
combatem o assédio moral no Brasil, entre eles Margarida Barreto e
Roberto Heloani, que muitas vezes um ato, de intensa violência
psicológica vai afetar o sujeito em seus valores morais, alterando seu
emocional, criando um fissura mental, que pode dar origem a diversos
sintomas. De acordo com a subjetividade de cada um, a intensidade desta
violência psicológica deste ato único, pode trazer sintomas semelhantes
aos constatados nas vítimas de assedio moral. E mesmo que,
cientificamente, um ato apenas de extrema violência não possa ser
diagnosticado como assédio moral, por ter sido um ato único sem a
questão da temporalidade, é um dano moral. O impacto da violência deste
ato pode fazer com que o servidor viva um dia a dia de sofrimento, mal
estar, sentimentos conflitantes de se sentir humilhado, desmotivado,
impotente em não poder reagir ou reverter a situação.
Assim,
para o servidor o trabalho perde o sentido, e sem entender ou concordar
com a punição, (já que lutou para a melhora da instituição que o pune),
cria mecanismos de defesa para “sobreviver” com saúde no ambiente de
trabalho. No dia a dia do trabalho estará a temporalidade da vivência
humilhação, a marca do autoritarismo, a violência é internalizada,
introjetada pelo servidor.
A saída
individual contém repressões da raiva, da mágoa, racionalizações,
pensamentos obsessivos e produz diversos sintomas, podendo evoluir para o
adoecer e até mesmo para o suicídio. Seria necessário um trabalho em
grupo com estes servidores para analisarmos os efeitos deste ato de todo
dia se humilhar, vivenciando uma sensação de derrota e impotência,
sendo punido por ter feito uma luta por causas justas, e a partir do
coletivo, criar estratégias defensivas e de ação, em prol acima de tudo,
da dignidade do trabalhador.
O
importante é criar estratégias defensivas a partir do coletivo dos
trabalhadores, para manutenção da saúde mental e emocional dos
servidores, e que o sindicato continue sua luta jurídica para reverter
as retaliações e garantir os direitos e a saúde destes trabalhadores. O
desanimo, a desmotivação, a angústia, este mal estar indefinível que
Freud chamou de pulsão de morte, ronda estes servidores deixando mais
uma vez explícita a necessidade de políticas públicas de saúde, seja na
clínica psicológica, ou em dinâmicas de grupo, de forma que os
servidores públicos tenham espaços para simbolizar este mal estar, outra
opção além dos núcleos de saúde internos da instituição e dos convênios
externos de clínicas e profissionais de saúde. Portanto, É DEVER dos
sindicatos fazer intervenções para preservar a saúde do servidor.
Conforme
escrevi na série de artigos, “A PALAVRA DOS ESPECIALISTAS”, a atenção
primária busca dar visibilidade ao inimigo invisível ‑ o assédio moral
‑, através de palestras, debates e criação de canais de denúncia para
apuração dos fatos. Na prevenção secundaria é necessário a realização de
uma pesquisa para analisar se ainda há riscos à saúde do trabalhador,
onde acontece e o que fazer para eliminá-los. A atenção terciaria
consiste no atendimento às vítimas de assédio moral e outras violências
no ambiente de trabalho, serviço disponibilizado pelo SINJUS-MG através
do Plantão de Atendimento às vítimas de assédio moral.