Por Arthur Lobato, psicólogo, responsável técnico pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria do SITRAEMG.
Análise de aspectos essenciais da Resolução nº 351/2020, que institui a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação do Poder Judiciário.
A temática do assédio moral foi abordada nos três Seminários sobre a Saúde dos Magistrados e dos Servidores do Poder Judiciário, em março e setembro de 2019, e em 2020, no seminário virtual, que também contou com a participação do SITRAEMG. Na ocasião, entreguei o trabalho “Ações Sindicais e Institucionais no Combate ao Assédio Moral na Organização do Trabalho do Judiciário Brasileiro e Mineiro”, que também foi apresentado em Havana (Cuba), no “V Congresso Ibero Americano Sobre Acoso Laboral e Institucional”.
O CNJ publicou, em 28 de Outubro 2020, a Resolução nº 351/2020, que institui a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação do Poder Judiciário.
Faço parte da equipe da Dra. Margarida Barreto e do professor Doutor Roberto Heloani e entendemos que o assédio está ligado à forma cada vez mais exploratória do trabalho humano, que o capitalismo, através do projeto neoliberal, vem desenvolvendo desde a década de 90 do século passado, com a precarização das condições de trabalho, perda de direitos dos trabalhadores, eliminação de tempos mortos, como pausa para digitação ou mesmo tomar água, café, ou até mesmo, ir ao banheiro. Recente reportagem aponta para empresas que ainda obrigam os funcionários a usar fraldas para não ter que ir ao banheiro. Querem maior humilhação O ser humano é tratado como uma máquina que não pode parar nem para suas necessidades naturais. Este seria um exemplo de assédio organizacional. Tratar funcionários como objetos. A produção excessiva, o atendimento que não pode parar, o trabalhador tem que sempre estar produzindo, até a exaustão. O esgotamento por questões ligadas ao trabalho (Burn-out) tem aumentado segundo dados da OMS. O assédio moral, no entanto, é um processo que leva ao sofrimento e adoecimento do assediado. Pode ser evitado.
Agora que já existe uma resolução para amparar e reforçar nosso trabalho em prol da saúde do servidor e da servidora, é nosso dever continuar combatendo o assédio moral. Temos de ser mais solidários e fortalecer o Sindicato nessa luta em prol da dignidade da pessoa humana.
1) O Princípio da Dignidade da pessoa humana: pedra angular de nosso trabalho.
Em sua obra pioneira, a Dra. Margarida Barreto define o que é um assédio moral em sua pesquisa de mestrado, feita no início do século XXI: uma jornada de humilhações.
A questão da dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e o direito à saúde são valores que não podemos abrir mão. A saúde do trabalhador é pedra angular no combate ao assédio moral e todas as formas de violência no ambiente de trabalho.
CONSIDERANDO o princípio da dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a proibição de todas as formas de discriminação e o direito a saúde e a segurança no trabalho (artigos 1o, inc. III e IV; 3o, IV; 6o; 7o, inc. XXII; 37 e 39, § 3o; 170, caput, da Constituição Federal);
2) As convenções internacionais como da OIT e a legislação já existente apontam para o assédio moral, sexual, discriminação e outras formas de violência, como uma questão a ser combatida e fundamentada em argumento morais e legais.
CONSIDERANDO a Convenção Interamericana sobre Toda Forma de Discriminação e Intolerância; a Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, a Convenção no 111 da OIT e os Princípios de Yogyakarta;
CONSIDERANDO que o assédio e a discriminação podem configurar violação à Lei no 8.112/90 e a Lei no 8.429/92;
3) Muito importante é destacar o reconhecimento do fenômeno assédio moral, enquanto processo que leva ao sofrimento psíquico, adoecimento e muitas vezes morte por suicídio, tamanho o sofrimento de uma vítima de assédio moral.
CAPÍTULO II DAS DEFINIÇÕES
Art. 2º Para os fins desta Resolução considera-se:
I – Assédio moral: processo contínuo e reiterado de condutas abusivas que, independentemente de intencionalidade, atente contra a integridade, identidade e dignidade humana do trabalhador, por meio da degradação das relações socioprofissionais e do ambiente de trabalho, exigência de cumprimento de tarefas desnecessárias ou exorbitantes, discriminação, humilhação, constrangimento, isolamento, exclusão social, difamação ou abalo psicológico;
4) A crítica desenvolvida, que a política de metas e produtividade pode levar ao esgotamento profissional (burn-out) e favorecer o assédio moral na organização do trabalho, foi contemplada com o conceito de assédio organizacional. A definição dos conceitos e o reconhecimento do fenômeno assédio moral permite a criação de normas de conduta, de prevenção, educação e punição. A gestão de pessoas e o departamento de saúde devem estar alertas com a relação do assédio com o adoecimento.
II – Assédio moral organizacional: processo contínuo de condutas abusivas amparado por estratégias organizacionais e/ou métodos gerenciais que visem a obter engajamento intensivo dos funcionários ou excluir aqueles que a instituição não deseja manter em seus quadros, por meio do desrespeito aos seus direitos fundamentais;
5) O assédio sexual, já tipificado como crime no código civil, preserva a integridade e a dignidade das mulheres, maior parte do quadro de servidores do judiciário brasileiro.
III – Assédio sexual: conduta de conotação sexual praticada contra a vontade de alguém, sob forma verbal, não verbal ou física, manifestada por palavras, gestos, contatos físicos ou outros meios, com o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador;
6) Discriminação, desmoralização, são categorias que influenciam nosso mundo psíquico, afetam a autoestima. A portaria é um importante instrumento de prevenção, de modo que o assédio moral seja impedido na raiz, na origem dos fatos, na discriminação e na exclusão.
IV – Discriminação: compreende toda distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na raça, etnia, cor, sexo, gênero, religião, deficiência, opinião política, ascendência nacional, origem social, idade, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, ou qualquer outra que atente contra o reconhecimento ou exercício, em condições de igualdade, dos direitos e liberdades fundamentais nos campos econômico, social, cultural, laboral ou em qualquer campo da vida pública; abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável;
7) Os efeitos do assédio também são apontados na portaria. É importante ressaltar esta relação de causa e efeito entre o assédio e o adoecimento. Muitos dados apresentados no Terceiro Seminário Nacional sobre Saúde dos Magistrados e dos Servidores do Poder Judiciário já constatavam, em pesquisas, com a apuração de dados estatísticos e cruzamento de informações, essa dolorosa relação: onde há assédio, há adoecimento.
CONSIDERANDO que as praticas de assedio e discriminação são formas de violência psicológica que afetam a vida do trabalhador, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, podendo ocasionar graves danos à saúde física e mental, inclusive a morte, constituindo risco psicossocial concreto e relevante na organização do trabalho.
8) Como a Dra. Margarida destacou em seu livro, o assédio é uma jornada de humilhações, e o capítulo III estabelece os princípios para não haver dúvidas dos elementos que evoluem para o assédio moral.
CAPÍTULO III DOS PRINCÍPIOS
Art. 3º A Política de que trata esta Resolução orienta-se pelos seguintes princípios:
I – respeito à dignidade da pessoa humana;
II – não discriminação e respeito a diversidade;
III – saúde, segurança e sustentabilidade como pressupostos fundamentais da organização laboral e dos métodos de gestão;
IV – gestão participativa, com fomento a cooperação vertical, horizontal e transversal;
V – reconhecimento do valor social do trabalho;
VI – valorização da subjetividade, da vivência, da autonomia e das competências do trabalhador;
VII – primazia da abordagem preventiva;
VIII – transversalidade e integração das ações;
IX – responsabilidade e proatividade institucional;
X – sigilo dos dados pessoais das partes envolvidas e do conteúdo das
XI – proteção à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das
XII – resguardo da ética profissional; e
XIII – construção de uma cultura de respeito mútuo, igualdade de tratamento e soluções dialogadas para os conflitos no trabalho.
9) Os itens que compõem as diretrizes gerais são um grande referencial para atender as demandas dos servidores e fortalecer o trabalho desenvolvido no SITRAEMG, como o acolhimento psicológico e jurídico e a necessidade da escola judicial levar o debate do assédio moral para servidores. Destaco a importância de magistrados e gestores participarem de cursos sobre assédio moral para entender que assédio não gera produtividade, mas adoecimento. Líder é quem motiva. A mediação, a escuta e o diálogo, são saudáveis para a organização do trabalho e impede que conflitos evoluam para o assédio moral.
IV – os tribunais e as respectivas escolas de formação de magistrados e de servidores, nos respectivos programas de aperfeiçoamento e capacitação, inclusive os de desenvolvimento gerencial, deverão prever em seus currículos e itinerários formativos o tema da prevenção e enfrentamento da discriminação e do assédio moral e sexual no trabalho, bem como do respeito à diversidade e outros conteúdos correlatos, relacionando-os com os processos de promoção à saúde no trabalho;
V – os gestores deverão promover ambiente de diálogo, cooperação e respeito a diversidade humana e adotar métodos de gestão participativa e organização laboral que fomentem a saúde física e mental no trabalho;
VI – as áreas de gestão de pessoas, as Comissões Permanentes de Acessibilidade e Inclusão, previstas na Resolução CNJ no 230/2016, e as Comissões de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual, constituídas em cada tribunal, promoverão, junto com a saúde e outras unidades, ações e campanhas de conscientização a respeito da aplicação desta Política e das consequências do assédio moral, do assédio sexual e da discriminação no trabalho, utilizando linguagem clara e objetiva e estratégia de comunicação alinhada a abordagem de intervenção;
VII – a prevenção e o enfrentamento da discriminação e do assédio moral e sexual no trabalho serão pautados por abordagem transversal, cabendo a cada unidade organizacional e agente institucional contribuir para a efetividade desta Política de acordo com suas atribuições e responsabilidades;
10) A importância das escolas judiciais e a parceria dos sindicatos no combate ao assédio moral.
X – os tribunais e as escolas de formação de magistrados e de servidores, nos seus programas de aperfeiçoamento e capacitação, deverão oportunizar adequada capacitação aos membros das Comissões Permanentes de Acessibilidade e Inclusão, das Comissões de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual em relação a prevenção e ao enfrentamento do assédio moral, do assédio sexual e da discriminação.
Parágrafo único: As escolas nacionais de formação e aperfeiçoamento de magistrados e o Centro de Formação e Aperfeiçoamento dos Servidores do Poder Judiciário desenvolverão atividades específicas de formação, aperfeiçoamento e capacitação a que se refere o inciso IV deste artigo, e disponibilizarão aos tribunais o respectivo material, devendo informar ao Conselho Nacional de Justiça as medidas tomadas em razão desta Resolução.
11) A necessidade do acolhimento e do sigilo, conforme nós praticamos no SITRAEMG, estão também contidos neste capítulo.
CAPÍTULO VI DO ACOLHIMENTO, SUPORTE E ACOMPANHAMENTO
Art. 7º Os órgãos do Poder Judiciário manterão canal permanente, preferencialmente nas respectivas áreas de gestão de pessoas, de acolhimento, escuta, acompanhamento e orientação a todas as pessoas afetadas por situações de assédio e discriminação no âmbito institucional, resguardado pelo sigilo profissional, a fim de minimizar riscos psicossociais e promover a saúde mental no trabalho.
Parágrafo único. O acompanhamento poderá ser individual ou coletivo, inclusive de equipes, a fim de promover o suporte psicossocial e, também, orientar a busca de soluções sistêmicas para a eliminação das situações de assédio e discriminação no trabalho.
Esses seriam os principais pontos a se destacar inicialmente, mas podemos debater mais sobre este tema com olhar do jurídico, ação sindical e da saúde do servidor em um próximo artigo.
E não podemos esquecer que esta publicação valerá a partir de 28 de novembro e caberá a nós, sindicato e servidores, exigir o cumprimento dos procedimentos contidos nesta resolução.
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