por
Arthur Lobato*
Escrito em novembro/2015
Relendo
os autos da devassa –
processo judicial criminal instaurado pelo vice rei do Brasil e pelo
Visconde de Barbacena contra os Inconfidentes mineiros em 1789 –
, e analisando as medidas do judiciário mineiro contra a greve dos
Servidores da 2ª
Instância, percebi, claramente, o que Foucault denomina no livro
“Vigiar e Punir”1–
“a passagem do método punitivo de exposição pública com
infringimento de dor”, para a introjeção da lei, através dos
métodos de coerção, vigilância e punição, que busca fabricar
corpos dóceis.
Tiradentes
foi enforcado e esquartejado, com partes do corpo espalhados nos
focos da revolta, confirmando “a ostentação do suplício, ou
seja, uma pena corporal dolorosa”.
O
crime dos Inconfidentes foi o de “lesa majestade”, cuja pena
seria a morte por “despedaçamento dos ossos” com o réu vivo, em
praça pública, de forma que a pena cause a dor da angústia, antes,
e a dor física durante a execução sob a vista de todos.
Foucault
analisou que o modelo judiciário de punição era muitas vezes
ineficaz, pois causava o repúdio dos cidadãos, muitas vezes,
identificados com o réu, como no caso de Tiradentes, onde a pena de
esquartejamento causou comoção em vez de temor, visto que o alferes
era uma figura popular, não só em Minas mas no Rio de Janeiro, pois
há registro de que quando reconhecido em uma ópera na capital
carioca foi muito aplaudido.
E
o que queria Tiradentes e os Inconfidentes mineiros senão JUSTIÇA,
e que a riqueza de Minas fosse para o bem dos mineiros, contra a
derrama, imposto excessivo pago pelos mineiros. Mas, lutando por
direitos e justiça, tanto ele como os Inconfidentes sofreram um
processo cruel – a
devassa – , com penas
que inicialmente seriam de forca, mas, transformada por D. Jõao VI
em degredo, menos para o líder popular, o alferes Joaquim José da
Silva Xavier.
Se
Tiradentes fosse hoje servidor da 2ª
Instância e líder grevista, seria no mínimo exonerado, depois de
um lento processo administrativo disciplinar, para servir de exemplo.
Considero a imagem dos grevistas do judiciário estadual, como a
imagem da estátua de Tiradentes na Avenida Brasil com Avenida Afonso
Pena: imobilizado, com a corda no pescoço (dívidas, baixo salário,
sem data base, progressão e promoção na carreira), com as mãos
atadas (impossibilidade legal de continuar a greve por seus
direitos), encarando passivamente a cidade aos seus pés.
Grevistas
da 2ª
Instância ou novos Inconfidentes?
Em
2015, o sistema judiciário se apoia na introjeção do medo de ser
vigiado e passível de punição ao mínimo delito. O que os
servidores de 2ª
Instância estão vivenciando: “O aparato da justiça tem que se
ater à realidade incorpórea”, ou seja, multa diária de 100 mil
reais para “enforcar” o movimento sindical, e pior, através da
coerção, formar servidores dóceis e conformados, “o corpo
analisável, unido ao corpo manipulável”. Os revoltados e
indignados que participaram da greve de 2011 (servidores exigindo
direitos não cumpridos) também serão punidos com processos
administrativos, entrando assim na seara psicológica dos
pensamentos obsessivos, as ideias fixas e paranóicas que Kafka
relatou tão bem no livro “O Processo”.
Assim,
buscamos compreender os impactos da lei sobre a subjetividade do
servidor, envolvido por um processo que traz angústia, sensação de
injustiça e impotência, pois a mesma instituição que processa é
a que julga.
Sobre
os PAD (Processos Administrativos Disciplinares), podemos afirmar,
como Foucault, “é uma coerção ininterrupta, que impõe uma
relação de docilidade-utilidade, o que podemos chamar de as
disciplinas... Mas as disciplinas se tornaram no decorrer do século
XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação”. Agora, entendemos o
porque dos processos administrativos disciplinares: são uma forma de
dominação, coerção em busca de corpos dóceis, ou seja, não
grevistas. O poder disciplinar tem como função maior, adestrar. “A
disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica
de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e
como instrumentos de seu exercício.”2
Não
podemos questionar a legalidade da decisão da justiça, mas
podemos discordar de seu conteúdo e considera-la injusta. O novo
instrumento de controle e punição é o poder econômico, (multa de
100 mil reais por dia, PAD, coerção das chefias, assédio moral,
etc.). “Na essência de todos os sistemas disciplinares, funciona
um pequeno mecanismo penal”. Temos assim, no processo
administrativo disciplinar, “técnicas da hierarquia que vigia e da
sanção que normaliza”.
Voltando
a Foucault, a forma como a greve foi encerrada tem como objetivo:
“tornar
o exercício do poder de punir, inteiramente adequado e transparente
às leis que o delimitam publicamente... ...assim a punição é um
processo para requalificar os indivíduos como sujeitos de direito;
utiliza não marcas, mas sinais, conjunto codificado de
representações cuja circulação deve ser realizada mais
rapidamente possível pela pena de castigo, e a aceitação a mais
universal possível”. Michel Foucalt, Vigiar e Punir.
Foucault
descreve os efeitos do poder: “ele exclui, reprime, recalca,
censura, abstrai, mascara, esconde.” Assim, o poder afeta todo o
contexto psíquico emocional do ser humano que deve trabalhar e viver
sob um manto de docilidade e utilidade.
Inconfidentes
ou terroristas?
O
que parece é que o conceito jurídico da “devassa” está sendo
adaptado aos dias de hoje, por exemplo, no Projeto Lei 2016/15 que o
plenário da câmara dos deputados aprovou e que trata do anti
terrorismo.
O
texto exclui a ideologia das motivações do crime e consequente
punição, o que pode levar MANIFESTANTES, A SEREM ENQUADRADOS
COMO TERRORISTAS. Curiosa mudança, foi a ideologia liberal dos
inconfidentes visando a transformação do Brasil em nação
independente de Portugal que levou aos autos da devassa, agora, a
ideologia que faz com que os trabalhadores busquem seus direitos em
um estado democrático de direito não é levado em conta.
Segundo
o líder o PSOL Agostinho Valente “o que temos aqui é uma ordem
para criminalizar movimentos sociais”. Voltando ao raciocínio
inicial, considero a Inconfidência Mineira um movimento social,
logo, os inconfidentes seriam hoje os “terroristas” em crime
“lesa-estado”. E os grevistas do judiciário?
Esta
foi a sensação que tive ao ler matéria no Site do SINJUS/MG sobre
a determinação do fim da greve da 2ª
Instância ( leia aqui). Enquanto profissional de saúde tenho
escrito vários artigos alertando sobre os efeitos da greve e das
retaliações sobre a subjetividade do servidor, e enquanto cidadão
também manifesto minha indignação e solidariedade e apoio ao
SINJUS/MG - Sindicato dos Servidores da Justiça de Segunda Instância
do Estado de Minas Gerais, em virtude do cerceamento da atividade
sindical através de Ação Civil Pública impetrada pela Advocacia
Geral do Estado, assinada pela desembargadora Sandra Fonseca,
deferindo a decisão liminar que determina suspensão imediata da
greve, sob pena multa de R$100.000,00 (cem mil reais), por dia.
Os
servidores estão em greve desde o dia 23/09/2015 por uma série de
retrocessos vividos pela categoria no Tribunal de Justiça de Minas
Gerais. A paralisação parcial das atividades defende o cumprimento
da Data-Base de 2015, a implementação do AuxílioSaúde e a anistia
aos servidores grevistas de 2011. Repudio também a retaliação por
parte do Tribunal aos servidores que participaram da greve de 2011,
que além do corte de ponto tiveram ainda prejuízos nas progressões
e aposentadoria.
Esses
servidores estavam exercendo o direito legítimo de greve e foi esse
movimento paredista que conquistou a época a regulamentação da Lei
da Data-Base. Lutamos muito para restabelecer o estado democrático
de direito, e tenho plena convicção que o direito de greve é um
direito fundamental consagrado na Constituição Federal a todos os
trabalhadores brasileiros, inclusive aos servidores públicos.
Pedro
Abramovay, secretário nacional de justiça durante o governo Lula,
afirma que “ha risco da lei que tipifica terrorismo ser usada para
criminalizar manifestações, e isso enfraquece a democracia”.
Portanto, se não refletirmos e atuarmos como cidadãos em busca de nossos
direitos políticos, podemos afirmar que o movimento sindical será
impedido de agir em prol da defesa dos interesses dos trabalhadores,
e perderá a sua razão de ser. Fica a questão: serão os
servidores da justiça os novos inconfidentes, que buscam seus
direitos às claras, dando visibilidade de seus atos à sociedade, ou
seremos todos nós “terroristas”, e não cidadãos, por sair às
ruas, que são nossas e não do estado, o qual é apenas o ordenador
da sociedade. Serão presos todos aqueles que buscam um mundo melhor,
diferente deste modelo cruel, perverso, que o neoliberalimo
implementou no mundo todo?
Isso
é democracia ou voltamos ao auge do absolutismo pré revolução
francesa quando o rei falou: —“A lei sou eu!”
*
Arthur Lobato é psicólogo/saúde do trabalhador
1Foucalt,
Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução Raquel
Ramalhete. ed. Petrópolis, RJ, 2014.
2Foucalt,
Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução Raquel
Ramalhete. ed. Petrópolis, RJ, 2014.
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