quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Direito de greve, direito de manifestação e lei antiterrorismo



por Arthur Lobato*
Escrito em novembro/2015

Relendo os autos da devassa processo judicial criminal instaurado pelo vice rei do Brasil e pelo Visconde de Barbacena contra os Inconfidentes mineiros em 1789 , e analisando as medidas do judiciário mineiro contra a greve dos Servidores da Instância, percebi, claramente, o que Foucault denomina no livro “Vigiar e Punir”1 “a passagem do método punitivo de exposição pública com infringimento de dor”, para a introjeção da lei, através dos métodos de coerção, vigilância e punição, que busca fabricar corpos dóceis.

Tiradentes foi enforcado e esquartejado, com partes do corpo espalhados nos focos da revolta, confirmando “a ostentação do suplício, ou seja, uma pena corporal dolorosa”.
O crime dos Inconfidentes foi o de “lesa majestade”, cuja pena seria a morte por “despedaçamento dos ossos” com o réu vivo, em praça pública, de forma que a pena cause a dor da angústia, antes, e a dor física durante a execução sob a vista de todos.

Foucault analisou que o modelo judiciário de punição era muitas vezes ineficaz, pois causava o repúdio dos cidadãos, muitas vezes, identificados com o réu, como no caso de Tiradentes, onde a pena de esquartejamento causou comoção em vez de temor, visto que o alferes era uma figura popular, não só em Minas mas no Rio de Janeiro, pois há registro de que quando reconhecido em uma ópera na capital carioca foi muito aplaudido.

E o que queria Tiradentes e os Inconfidentes mineiros senão JUSTIÇA, e que a riqueza de Minas fosse para o bem dos mineiros, contra a derrama, imposto excessivo pago pelos mineiros. Mas, lutando por direitos e justiça, tanto ele como os Inconfidentes sofreram um processo cruel a devassa , com penas que inicialmente seriam de forca, mas, transformada por D. Jõao VI em degredo, menos para o líder popular, o alferes Joaquim José da Silva Xavier.

Se Tiradentes fosse hoje servidor da Instância e líder grevista, seria no mínimo exonerado, depois de um lento processo administrativo disciplinar, para servir de exemplo. Considero a imagem dos grevistas do judiciário estadual, como a imagem da estátua de Tiradentes na Avenida Brasil com Avenida Afonso Pena: imobilizado, com a corda no pescoço (dívidas, baixo salário, sem data base, progressão e promoção na carreira), com as mãos atadas (impossibilidade legal de continuar a greve por seus direitos), encarando passivamente a cidade aos seus pés.

Grevistas da Instância ou novos Inconfidentes?

Em 2015, o sistema judiciário se apoia na introjeção do medo de ser vigiado e passível de punição ao mínimo delito. O que os servidores de Instância estão vivenciando: “O aparato da justiça tem que se ater à realidade incorpórea”, ou seja, multa diária de 100 mil reais para “enforcar” o movimento sindical, e pior, através da coerção, formar servidores dóceis e conformados, “o corpo analisável, unido ao corpo manipulável”. Os revoltados e indignados que participaram da greve de 2011 (servidores exigindo direitos não cumpridos) também serão punidos com processos administrativos, entrando assim na seara psicológica dos pensamentos obsessivos, as ideias fixas e paranóicas que Kafka relatou tão bem no livro “O Processo”.

Assim, buscamos compreender os impactos da lei sobre a subjetividade do servidor, envolvido por um processo que traz angústia, sensação de injustiça e impotência, pois a mesma instituição que processa é a que julga.

Sobre os PAD (Processos Administrativos Disciplinares), podemos afirmar, como Foucault, “é uma coerção ininterrupta, que impõe uma relação de docilidade-utilidade, o que podemos chamar de as disciplinas... Mas as disciplinas se tornaram no decorrer do século XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação”. Agora, entendemos o porque dos processos administrativos disciplinares: são uma forma de dominação, coerção em busca de corpos dóceis, ou seja, não grevistas. O poder disciplinar tem como função maior, adestrar. “A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício.”2

Não podemos questionar a legalidade da decisão da justiça, mas podemos discordar de seu conteúdo e considera-la injusta. O novo instrumento de controle e punição é o poder econômico, (multa de 100 mil reais por dia, PAD, coerção das chefias, assédio moral, etc.). “Na essência de todos os sistemas disciplinares, funciona um pequeno mecanismo penal”. Temos assim, no processo administrativo disciplinar, “técnicas da hierarquia que vigia e da sanção que normaliza”.

Voltando a Foucault, a forma como a greve foi encerrada tem como objetivo:

tornar o exercício do poder de punir, inteiramente adequado e transparente às leis que o delimitam publicamente... ...assim a punição é um processo para requalificar os indivíduos como sujeitos de direito; utiliza não marcas, mas sinais, conjunto codificado de representações cuja circulação deve ser realizada mais rapidamente possível pela pena de castigo, e a aceitação a mais universal possível”. Michel Foucalt, Vigiar e Punir.

Foucault descreve os efeitos do poder: “ele exclui, reprime, recalca, censura, abstrai, mascara, esconde.” Assim, o poder afeta todo o contexto psíquico emocional do ser humano que deve trabalhar e viver sob um manto de docilidade e utilidade.

Inconfidentes ou terroristas?

O que parece é que o conceito jurídico da “devassa” está sendo adaptado aos dias de hoje, por exemplo, no Projeto Lei 2016/15 que o plenário da câmara dos deputados aprovou e que trata do anti terrorismo.

O texto exclui a ideologia das motivações do crime e consequente punição, o que pode levar MANIFESTANTES, A SEREM ENQUADRADOS COMO TERRORISTAS. Curiosa mudança, foi a ideologia liberal dos inconfidentes visando a transformação do Brasil em nação independente de Portugal que levou aos autos da devassa, agora, a ideologia que faz com que os trabalhadores busquem seus direitos em um estado democrático de direito não é levado em conta.

Segundo o líder o PSOL Agostinho Valente “o que temos aqui é uma ordem para criminalizar movimentos sociais”. Voltando ao raciocínio inicial, considero a Inconfidência Mineira um movimento social, logo, os inconfidentes seriam hoje os “terroristas” em crime “lesa-estado”. E os grevistas do judiciário?

Esta foi a sensação que tive ao ler matéria no Site do SINJUS/MG sobre a determinação do fim da greve da Instância ( leia aqui). Enquanto profissional de saúde tenho escrito vários artigos alertando sobre os efeitos da greve e das retaliações sobre a subjetividade do servidor, e enquanto cidadão também manifesto minha indignação e solidariedade e apoio ao SINJUS/MG - Sindicato dos Servidores da Justiça de Segunda Instância do Estado de Minas Gerais, em virtude do cerceamento da atividade sindical através de Ação Civil Pública impetrada pela Advocacia Geral do Estado, assinada pela desembargadora Sandra Fonseca, deferindo a decisão liminar que determina suspensão imediata da greve, sob pena multa de R$100.000,00 (cem mil reais), por dia.

Os servidores estão em greve desde o dia 23/09/2015 por uma série de retrocessos vividos pela categoria no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A paralisação parcial das atividades defende o cumprimento da Data-Base de 2015, a implementação do AuxílioSaúde e a anistia aos servidores grevistas de 2011. Repudio também a retaliação por parte do Tribunal aos servidores que participaram da greve de 2011, que além do corte de ponto tiveram ainda prejuízos nas progressões e aposentadoria.

Esses servidores estavam exercendo o direito legítimo de greve e foi esse movimento paredista que conquistou a época a regulamentação da Lei da Data-Base. Lutamos muito para restabelecer o estado democrático de direito, e tenho plena convicção que o direito de greve é um direito fundamental consagrado na Constituição Federal a todos os trabalhadores brasileiros, inclusive aos servidores públicos.

Pedro Abramovay, secretário nacional de justiça durante o governo Lula, afirma que “ha risco da lei que tipifica terrorismo ser usada para criminalizar manifestações, e isso enfraquece a democracia”.

Portanto, se não refletirmos e atuarmos como cidadãos em busca de nossos direitos políticos, podemos afirmar que o movimento sindical será impedido de agir em prol da defesa dos interesses dos trabalhadores, e perderá a sua razão de ser. Fica a questão: serão os servidores da justiça os novos inconfidentes, que buscam seus direitos às claras, dando visibilidade de seus atos à sociedade, ou seremos todos nós “terroristas”, e não cidadãos, por sair às ruas, que são nossas e não do estado, o qual é apenas o ordenador da sociedade. Serão presos todos aqueles que buscam um mundo melhor, diferente deste modelo cruel, perverso, que o neoliberalimo implementou no mundo todo?
Isso é democracia ou voltamos ao auge do absolutismo pré revolução francesa quando o rei falou: —“A lei sou eu!”

* Arthur Lobato é psicólogo/saúde do trabalhador
1Foucalt, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução Raquel Ramalhete. ed. Petrópolis, RJ, 2014.

2Foucalt, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução Raquel Ramalhete. ed. Petrópolis, RJ, 2014.

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