segunda-feira, 1 de março de 2010

Manutenção da jornada de seis horas: muito além do direito adquirido

*Arthur Lobato

O servidor, em seu trabalho diário, sofre intenso desgaste mental e emocional. Sua função exige: ouvir, comunicar-se com várias pessoas ao mesmo tempo, ler, entender, interpretar, raciocinar e redigir textos com rapidez e sem erros. Deve estar muito atento à leitura, pois analisar um processo para dar-lhe o andamento correto toma tempo e demanda energia mental. Ao final de uma jornada de 6 horas, a mente tem diminuída sua capacidade de assimilação, e pequenos erros ou descuidos por causa da fadiga mental podem ter consequências desastrosas para o cidadão e a sociedade. Os especialistas em saúde do trabalhador detectaram que, após horas trabalhando em frente à tela de computador, o usuário não consegue processar as informações. É o chamado “espelhamento”. É como ler um livro pensando em outras coisas: lê-se várias páginas, e não se lembra de nada.

Além do desgaste mental, há o desconforto físico, de ficar horas em cadeiras e mesas nem sempre nas condições ergonômicas ideais. Mas o servidor do TJMG também sofre intenso desgaste emocional. Os processos estão repletos de sentimentos de revolta, vingança, ódio, mágoa ‒ histórias de muita dor, como nos homicídios, crimes passionais movidos por ódio ou vingança, violência sexual contra mulheres e crianças, e tantas histórias que revelam o lado obscuro e perverso do ser humano. Diversos servidores relatam que, ao ler peças de um processo, se emocionam ou se revoltam com os fatos acontecidos. Muitos oficiais de justiça vivenciam histórias da injustiça no cumprimento de mandatos: Retirar uma máquina de lavar de uma pobre lavadeira que atrasou prestações,mesmo sendo a máquina a sua fonte de renda e trabalho. Retirar uma família de uma casa deixando-os ao relento, cumprindo ação de reintegração de posse.


Nas secretarias, cartórios, fóruns, as mesas estão abarrotadas de processos. Ao terminar uma pilha, já há outra esperando. Trabalho interminável como no mito de Sísifo, que é condenado a subir uma pedra até o alto de uma montanha, mas ao chegar ao topo a pedra rola para baixo e ele tem de repetir seu trabalho, por toda eternidade.

No outro lado do balcão, diversos olhares persecutórios, encarando quem faz o serviço interno, como se este servidor tivesse que parar seu trabalho, para ajudar no atendimento do balcão. Ao fazê-lo, interrompe o fluxo de pensamentos e ao voltar à mesa tem que começar a leitura, pois como uma bolha de sabão que explode, o raciocínio se esvai, desaparece.

O servidor também tem de manusear processos antigos, pesados, no alto de prateleiras, com fungos e bactérias. “Ufa! Que sufoco”. E ainda dizem que servidor trabalha pouco! Para cumprir Meta 2, o CNJ quer ampliar a jornada de trabalho de 6 para oito horas, pensando em “aumentar a produtividade”. Reparem na forma perversa que esta meta é apresentada nos comerciais de televisão, subliminarmente culpando o servidor pela morosidade da justiça. Processo judicial não é objeto produzido de forma industrial, cada processo deve ter sua análise criteriosa, para evitar problemas e inúteis perdas de tempo em seu andamento.

Manter a jornada de 6 horas é mais do que uma questão de direitos adquiridos; é uma necessidade absoluta para manter a saúde do trabalhador e a qualidade do serviço público.

Enquanto as centrais sindicais lutam pela redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas diárias, para aumentar a empregabilidade e proporcionar mais qualidade de vida ao trabalhador, o CNJ - na contramão da história - quer impor o aumento da jornada, tirando dos servidores direitos adquiridos. Aos sindicatos cabe a defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores e garantia da saúde física, mental e emocional do servidor e da qualidade no serviço público.

* Arthur Lobato, psicólogo, pesquisador sobre assédio moral no trabalho e membro da Comissão de Combate ao Assédio SINJUS-MG/Serjusmig

Publicado no Expressão Sinjus Nº187 - 22 de fevereiro de 2010