De
acordo com o ranking anual elaborado e divulgado recentemente pelo
Fórum Econômico Mundial, o Brasil saltou de 82º para 62º lugar em se
tratando de redução de desigualdade de gêneros. Tanto a Constituição
Federal brasileira quanto a legislação infraconstitucional -
trabalhista, eleitoral, civil e penal - trazem diversos dispositivos de
proteção à mulher.
Mas
será que nosso conjunto de leis tem sido suficiente para impedir que
milhares de mulheres que vêm conquistando mais espaço no mundo do
trabalho sejam tratadas de forma discriminatória, humilhante e muitas
vezes doentia?
Diariamente
juízes do Trabalho de todo o país julgam processos com pedidos de
indenização por dano moral decorrente de assédio a mulheres. Os casos
vão para as páginas oficiais dos tribunais, muitos ganham destaque nos
jornais de repercussão nacional. Mas segundo os magistrados, esses
processos representam apenas a ponta do iceberg do grande problema
trabalhista contemporâneo: o assédio.
Um
fato isolado não é suficiente para a caracterização do assédio moral,
como uma situação de humilhação imposta ao empregado, mas que tenha
ocorrido uma única vez. Para ser caracterizado como assédio moral é
preciso que ocorra de forma constante e repetitiva, com o intuito de
humilhar, diminuir, acarretando o isolamento do empregado e ainda
redução na sua autoestima. Para a desembargadora, jurista e professora
Alice Monteiro de Barros, o que caracteriza o assédio moral é a
intensidade da violência psicológica, o prolongamento no tempo, o
objetivo de ocasionar dano psíquico ou moral com o intuito de
marginalizar o assediado, e que se produzam efetivamente os danos
psíquicos.
"Como
violência psicológica que é, o assédio moral atenta contra a honra, a
vida privada, a imagem e a intimidade do agredido, e outros direitos
fundamentais, bens imateriais protegidos pela Constituição Federal",
afirma Dorotéia Silva de Azevedo, juíza titular da Vara do Trabalho de
Santo Amaro da Purificação. E ressalta que o assédio confronta o
disposto no artigo 5º, X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra, e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação.
Prova
De
acordo com a vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministra
Maria Cristina Peduzzi, a prova não é tão difícil de ser construída,
pois ao contrário do assédio sexual, ele se constitui necessariamente de
atividades continuadas. "Como é uma repetição de atos praticados no
ambiente de trabalho, eu diria, é muito simples qualquer colega poder
comprová-lo".
A
ministra ressalta que o assédio pode ser um ato concreto ou uma
omissão, quando por exemplo se despreza o empregado, sem lhe passar
atribuições. "Ele chega no local de trabalho e fica desestimulado,
sentindo-se improdutivo, ignorante, porque ninguém lhe dá atribuições.
Também pode ocorrer quando se passa atribuições desnecessárias e
estranhas ao contratado."
Humilhações
A
Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve a condenação do
Banco Bradesco S/A e outros para pagarem indenização de R$ 5 mil por
danos morais, pelo assédio moral sofrido por uma funcionária que era
chamada de "imprestável" pelo supervisor.
Com
base nos depoimentos das testemunhas, comprovou-se o assédio sofrido
pela trabalhadora, sendo, portanto, devida a indenização por danos
morais. O direito à indenização por dano moral encontra respaldo no artigo 186 do Código Civil e art. 5º, X, da CF,
bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional,
principalmente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade
humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º da CR/88), observou o
ministro Maurício Godinho Delgado, relator do recurso na Turma.
Em
outro caso que chegou ao TST, o Banco ABN AMRO Real S/A foi condenado
porque o superior humilhava e ofendia uma funcionária perante seus
colegas ao cobrar o cumprimento das metas estabelecidas pelo banco,
chamando-a de "burra", tratamento ofensivo à dignidade inerente à
trabalhadora.
Legislação
Pelo
Direito brasileiro, assédio moral que causa dano à vítima gera a
obrigação de indenizar, tendo o agressor o dever de reparar o prejuízo
causado, por meio de pagamento em dinheiro, a ser fixado pelo juiz,
destinado a reparar as consequências do ato ilícito.
Referida obrigação está prevista no artigo 927, do Código Civil
(aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo). Contudo, essa obrigação não exclui o pagamento, pelo
empregador, das verbas trabalhistas ao empregado, quando o demitir sem
justa causa.
Embora
ainda não exista uma lei específica para punir a prática do assédio
moral, existem atualmente 11 projetos de lei tramitando no Congresso
Nacional sobre o tema. Um deles é o Projeto de Lei nº 2369/2003,
apensado ao PL nº 6757/2010, que define, proíbe o assédio moral, impõe o
dever de indenizar e estabelece medidas preventivas e multas. Existem
ainda, leis municipais proibindo a prática do assédio moral, aplicáveis
aos servidores da administração pública local, leis estaduais como a nº
3.921/2002 do Rio de Janeiro.
Também
existem cláusulas em convenções e acordos coletivos de trabalho
dispondo sobre prevenção à prática de assédio moral nas dependências das
empresas.
Para
Sônia Mascaro se o assédio moral se caracteriza pela conduta abusiva,
de natureza psicológica, feita de forma repetida e prolongada expondo o
trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, gerando dano
emocional e profissional, seu principal meio de prova são as
testemunhas, que podem descrever e comprovar o comportamento hostil do
agressor ou as situações que presenciaram, onde a trabalhadora foi
humilhada.
Reparação
No
assédio moral, existem várias formas de punição, podendo recair tanto
para o assediador, quanto para a empresa empregadora que permitiu o
ocorrido, ou até mesmo incentivou o assédio, como, por exemplo, no
assédio moral organizacional, decorrente de políticas corporativas,
explica a advogada.
O empregador responde pelos danos morais causados à vítima que sofreu assédio em seu estabelecimento, nos termos do artigo 932 do Código Civil. Se condenado, a Justiça do Trabalho fixará um valor de indenização com o objetivo de reparar o dano.
Já
o assediador poderá ser responsabilizado em diferentes esferas: na
penal, estará sujeito à condenação por crimes de injúria e difamação,
constrangimento e ameaça (artigos 139, 140, 146 e 147 do Código Penal);
na trabalhista correrá o risco de ser dispensado por justa causa, artigo 482 da CLT, e ainda por mau procedimento e ato lesivo à honra e à boa fama de qualquer pessoa.
Por
fim, na esfera cível, poderá sofrer ação regressiva, movida pelo
empregador que for condenado na Justiça do Trabalho ao pagamento de
indenização por danos morais, em virtude de atos cometidos pela pessoa
do empregado.
Sônia
Mascaro, advogada, é grande defensora da conscientização tanto de
trabalhadores quanto de empregadores sobre o assédio moral e sexual no
ambiente de trabalho, pela convicção de que o melhor combate desse tipo
de prática não deve se dar pela via punitiva, mas pela preventiva.
Seja
por meio de campanhas publicitárias de esclarecimentos dos
trabalhadores, promovidas por entidades como o Ministério Público ou a
Ordem dos advogados do Brasil (OAB) ou ainda por meio de palestras
oferecidas pelas empresas para seus empregados. "Campanhas nesse sentido
possibilitam que os trabalhadores tenham conhecimento do que é o
assédio e sejam capazes de identificar situações de abuso as quais
estejam expostos, tendo a consciência de que não devem tolerá-la, mas
sim denunciá-la", enfatiza Sônia Mascaro.
Para
a advogada a conscientização também é importante nas esferas de comando
da empresa, pois seus dirigentes precisam estar atentos à existência de
condutas que possam vir a ser consideradas assédio, "Principalmente
estimulando sua sensibilidade para perceber se seus subordinados sofrem
abuso ou agem de maneira abusiva, identificando o problema e buscando
sua correção", pontua.
Como
inexiste legislação específica no Brasil versando sobre o assédio moral
e sexual no trabalho e, principalmente, pelas proporções do tema na
última década e o grande número de processos na Justiça do Trabalho,
Sônia acha fundamental a regulamentação da matéria pelo meio legal. A
seu ver, a indenização é um dos pontos mais importantes que precisa ser
delineado, ante a atual discrepância em relação às condenações
realizadas pelas Varas do Trabalho e Tribunais Trabalhistas.
"Acho
fundamental que esse instrumento não seja banalizado e que os valores
fixados a título de dano moral sejam não apenas reparatórios e
punitivos, mas que tenham um caráter pedagógico forte objetivando que a
empresa seja compelida a promover melhorias em seu ambiente de trabalho
para extirpar qualquer forma de assédio", conclui.