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sábado, 28 de abril de 2018

Reflexão crítica sobre o trabalho em casa (Home Office)

Por Arthur Lobato, psicólogo, responsável técnico pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG.

Na sociedade informatizada em que vivemos, onde o computador pessoal é mais um eletrodoméstico presente em todas as casas e apartamentos – tal qual a geladeira, TV, fogão –, parece incoerência se deslocar de casa ao trabalho, enfrentando trânsito, dificuldades de vagas e transporte público cuja marca são ônibus lotados, em viagens lentas e desconfortáveis. Enfim, é fato que a ida e a volta ao trabalho consome muito tempo e energia de cada um de nós.
Com o avanço da internet e da banda larga, surge a proposta do teletrabalho ou o trabalho em casa (home office). Aparentemente, é uma solução para muitos trabalhadores. O Judiciário Federal já utiliza essa modalidade de trabalho e em recente seminário sobre a saúde do servidor federal várias críticas foram apresentadas sobre as armadilhas dessa atividade. Vamos refletir sobre esses problemas:
Espaço físico: o ambiente de trabalho deve ter um espaço diferenciado para que haja concentração na realização do trabalho, assim, o servidor que optar pelo home office deverá ter um mini escritório em casa e internet de banda larga.
Ergonomia: o servidor será responsável pela compra e manutenção de mesas, cadeiras, internet e computador. Ele será responsável por sua ergonomia: problemas osteomusculares, causados pela atividade laboral serão de responsabilidade deste servidor e não da instituição para a qual ele trabalha. Ou seja: a doença profissional (aquela que é característica após anos de profissão) estará desvinculada da atividade profissional.
Disciplina: em casa o horário de trabalho deve ser rígido, pois envolve metas e produtividade.
Invasão do espaço privado e familiar pelo mundo do trabalho: seria inocência acreditar que cônjuges, filhos e filhas respeitarão plenamente seu novo ambiente de trabalho. O trabalho corre risco de ser interrompido por problemas domésticos, podendo gerar conflitos familiares, já que o serviço pendente poderá ser realizado nos fins de semana, em sacrifício do convívio familiar.
Isolamento social: o trabalho cria vínculos com as pessoas que trabalham juntas e, muitas vezes, em caso de dúvidas, o colega ou chefe estará ao seu lado para te ajudar. Com o home office, o servidor estará isolado, se afastando da categoria e de suas lutas profissionais, causando uma alienação nesse trabalhador que não conta com os colegas para debater assuntos de interesse profissional.
Problemas tecnológicos: vírus, internet lenta, interação com o PJE, segurança e velocidade dos dados.
Segundo Denise Carneiro, coordenadora de Comunicação do Sindjufe-BA, “para os sindicatos, o home office seria uma forma engenhosa para “furar” e enfraquecer as mobilizações, reivindicações e greves da categoria, além de maquiar as relações de trabalho”.
Esses são alguns dos desafios para que essa modalidade de trabalho seja discutida com os servidores e sindicatos antes de sua implementação e aceitação pela categoria. Somente analisando os prós e contras pode-se chegar a condições de trabalho justas, que não provoquem o adoecer do trabalhador.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Ansiedade e depressão: novos nomes para o desespero humano

Por Arthur Lobato, psicólogo/saúde do trabalhador, responsável técnico pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG.


O filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (Copenhague 1813-1855) escreveu uma das mais brilhantes obras sobre o desespero humano que, resumidamente, pode ser sintetizada nas seguintes frases: desespero ante ser o que não se quer ser, ou o desespero de não conseguir ser o que se quer ser.
Abordando o tema sob o olhar da psicologia, podemos ver nas teses do autor dinamarquês seu correlato com a psicologia na análise da depressão e da ansiedade. Freud tem um nome para o desespero: pulsão de morte.
A depressão, segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, é o grande mal que afetará milhões de pessoas no planeta no século XXI. Geralmente, a depressão está ligada à frustração de não conseguir alcançar seus objetivos, sonhos, ilusões. Precisamos saber lidar com a adversidade e a grande adversária que a vida nos reserva é a morte. Este medo da morte é a raiz da crise existencial. Entretanto, este medo paralisante é recalcado pela nossa sociedade com o trabalho, o consumo, os passatempos, sublimados pela arte e pela religião, mas continua como um mal-estar permanente.
Vivemos em permanente tensão – por exemplo, quando sou obrigado a ser um ator social representando um personagem que é falso; quando agimos no trabalho obedecendo ordens absurdas, dizendo sempre “sim senhor”. Quando nosso potencial não está sendo bem aproveitado e, mesmo assim, continuamos trabalhando em um ambiente desmotivador, convivemos com fatores que geram tristeza, desânimo, melancolia, ou seja, o desespero de ser obrigado a ser alguém que não se quer ser, simplesmente para sobreviver. Por mais que pense, esforce ou batalhe, não ha nenhuma expectativa de melhora. Por isso, procura-se manter a imagem, a família, o emprego, mesmo não estando satisfeito ou feliz, e aos poucos, o desânimo, a frustração constante pode evoluir para um quadro depressivo. A depressão contém as sementes do desespero de ser o que não se quer ser.
Geralmente, a ansiedade está relacionada ao futuro, às preocupações que podem possuir um fundo de verdade, como a situação política e econômica de um país. Se vai conseguir pagar as contas no fim do mês. O medo do desemprego. A angústia de não dar conta do trabalho cada vez mais exigente, com as empresas e instituições seguindo um modelo obsessivo de metas e produtividade. Situações que geram ansiedade, angústia, ou seja, que levam ao desespero de não conseguir ser o que se quer ser. A depressão seria o sintoma do sujeito que “não suporta ser ele próprio”, nas palavras de Kierkegaard, já que, segundo o autor, “delícia é ser o que eu quero ser”, e suplício, “ser o eu que não quero ser”.
No serviço público, os estudos sobre absenteísmo apontam os transtornos mentais e emocionais como o principal fator de afastamento do trabalho. Qual será a relação destes transtornos com o desespero, já que “não podemos nos libertar de nós mesmos”, mas conviver, sem adoecer com nossas contradições e paradoxos da vida, da sociedade, do mundo do trabalho.
Diferente da doença física que mantém uma relação de causa e efeito entre o sintoma e o órgão adoecido, como, por exemplo, a cor amarela de alguém com hepatite remete ao fígado como órgão adoecido, quando falamos do estado mental, estamos falando de algo que como as emoções não pode ser medido. O cérebro de um deprimido, de um psicótico, de um gênio, de um criminoso em autópsias, não apresenta diferenças. Somente as doenças cerebrais como tumores, acidente vascular cerebral (AVC), entre outros, são identificados na autópsia.
Por isso, o mental é regido pelas relações sociais, familiares, pela genética, pelo país em que se nasce, com sua cultura, normas, leis e tabus. Nessa interação entre indivíduo, seu semelhante, sua sociedade e sua cultura, surge o sujeito pensante, razão e emoção.
A principal forma de nos relacionarmos é pela linguagem, que, além de nos diferenciar de todos os animais, permite que haja comunicação, transmissão e aperfeiçoamento de conhecimento, e o ser humano só existe por causa da linguagem. Entretanto, nossa sociedade tirou este aspecto mágico, quase que divino da linguagem, que é a essência da relação eu-tu. A linguagem é banalizada desde a mais tenra infância como algo que em nós é tão natural como respirar, quando na realidade é um aprendizado, pois é o outro que me ensina a falar, escrever. A escola nos ensina a pensar, calcular, medir, e a vida cria este ser único que sou eu, que é você. Iguais enquanto seres humanos, mas diferentes em nossa autonomia, desejos e pensamentos.
Kierkegaard já dizia “o reconhecimento produz o alívio”, ou seja, diminui a angústia, o sofrimento, o desespero, e devemos “ousar ser um indivíduo, não um qualquer, mas este que somos, isolado na imensidade de seu esforço e da sua responsabilidade”, sendo o ser humano, síntese de antagônicos (finito e infinito, temporal e eterno, liberdade e necessidade). Como dizia Freud, somos definidos enquanto sujeito, pela forma como lidamos com nossas pulsões, tanto as pulsões de vida quanto as mortíferas, e para isto, temos que nos relacionar com o mundo e com nossos semelhantes.
Assim, voltamos ao tema que me proponho a trabalhar, a saúde do trabalhador. O que acontece na relação de trabalho, no relacionamento interpessoal, para que haja tanto transtorno mental? Quando a emoção diz: não suporto mais!!!! Quando a mente esgotada por horas e horas de trabalho, ainda tem de trabalhar mais, como no conto de Fiódor Dostoiévski  que escrevi anteriormente. Esta é a reflexão que trago hoje: Como viver e conseguir ser o que se quer ser e conseguir escapar da pulsão de morte, que é o desespero humano?
Não há uma fórmula. Cada resposta é individual. Mas, coletivamente, no trabalho, temos que fortalecer nossa entidade sindical, pois, se no caso individual cada caso é um caso, o mal-estar que acontece no trabalho envolve o coletivo de trabalhadores e somente um sindicato forte, com a participação dos servidores, será uma  perspectiva na luta por direitos, por um ambiente saudável, no trabalho que não gere tanto sofrimento e desespero.
O SITRAEMG oferece a seus filiados atendimentos psicológicos individuais — A Clínica do Trabalho do DSTCAM. Assim, o Sindicato age de forma coletiva e oferece um espaço clínico para que cada um possa lidar melhor com sua angústia, ansiedade, no trabalho, enfrentando o desespero em encontros terapêuticos que possibilitem convivermos com nossa condição humana. Afinal, já afirmava Kierkegaard: “quanto mais consciência humana, mais eu haverá, quanto mais eu, mais vontade, quanto maior a vontade, maior será a consciência de si próprio”, e, assim, combatemos o desespero moderno cujos sintomas são a ansiedade e a depressão.