quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Meu chefe é um frustrado

 

O gosto gratuito pela crítica e a tara pelo inalcançável são reveladores de desequilíbrio espiritual e psíquico

O livro do Gênesis, tratando do início imemorial da criação diz: "no princípio Deus criou o céu e a terra" Gn 1.19. Tratando-se da história de cada um de nós, a gente pode afirmar: "no princípio era o lugar".

Se o universo se faz do "nada", em sentido diverso, é a partir de um lugar que "gente" se cria. Todos nascemos na posição de objeto, numa família que não escolhemos. Reféns de sonhos que não eram nossos. Nem nosso nome é nosso. Aquilo que a gente, só aos poucos vai aprendendo a chamar de "eu", se constitui a partir de um emaranhado de "nós". Nós familiares, nós de expectativas, certamente de beleza e encanto, mas também de desencontros e de ressentimento.

Todo bebê nasce num lugar. Ele só existe diante de um ideal que surge a partir do olhar do outro, seja ele a mãe, o pai, a tia, a avó... É do confronto com esse "outro" que surge o "eu".

Daí decorrem perguntas: o que se espera de uma criança nascida num lar de falta? Quanto de insegurança afetiva trará dentro de si alguém criado numa casa em que se confunde afeto com controle? Quais as consequências, a longo prazo, de ser filho de uma mãe que coleciona expectativas? O que se pode esperar de alguém que cresceu envolto no drama de um pai ausente ou diante de um olhar ajuizante que pune e castiga?

É lógico que histórias pessoais não cabem no determinismo. Todavia, seria tolice negligenciar quanto de uma criança ferida existe em um adulto frustrado.

Não é à toa essa mania que as pessoas que nada são têm de poder e de querer mandar nos outros. Quando você estiver diante de uma(um) chefe que lhe ofendeu, dê dois passos para trás. "Não toque tambor para maluco dançar". Não dê lugar de honra a quem lhe insultou. Pense, em silêncio: 'homem velho com vícios de menino. Meu chefe é um frustrado'.

Gente que não ressignificou os traumas da infância vive de uma moral fraca. As regras, a exigência, as metas, tudo isso é muito positivo. Agora o legalismo, o gosto gratuito pela crítica, a tara pelo inalcançável são reveladores de desequilíbrio espiritual e psíquico. A escora da(o) chefe de "moral fraca" é a hipocrisia. Na impossibilidade de lidar com a própria insegurança afetiva, vive tendo que produzir afirmação, pune nos outros as próprias imperfeições.

E sabe o que é pior? Como lembra Hamlet, além do fato de que: "é nos grandes que a loucura deve ser vigiada", sempre diante de um chefe doentio há um bajulador, ou um séquito deles para dizer exatamente o que ele quer escutar. "O baba ovo" é sempre um especialista em relacionamento. Percebe em quem chefia a busca pelo "lugar", o sentimento de desamparo infantil que demanda uma "presença" que tudo consola e ordenada.

Como afirma o Príncipe da Dinamarca: o puxa saco é como uma semente de fruta na boca de um bugio: é a primeira que se abocanha e a que se cospe por último.

Olha...a beleza da vida reside em ser o que se é, pois, o "eu" verdadeiro é sem contexto, sem pretextos. Saber disso nos ajuda a entender o que Cristo deseja ensinar em sua parábola (Mt 13): a semente que somos nós é sempre boa. Alguns terrenos, ao contrário, talvez nem tanto.

Quem compreende isso adquiriu a sutil, mas indispensável arte de afastar-se de alguém, de algum "lugar" ou situação em nome da própria saúde mental. Lá no "lugar" onde não couberes, não te apertes...


Meu chefe é um frustrado | Rádio Itatiaia

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