quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Entrevista Lydia Guevara Ramirez

A jurista cubana Lydia Guevara Ramirez é vice-presidente da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas (ALAL); Secretária da Sociedade Cubana de Direito Laboral e Seguridade Social e professora universitária em Cuba. Nos dia 2 e 3/9/09, ela participou de palestras em BH, contando com o apoio do SINJUS-MG. Uma das atividades foi realizada no auditório do anexo I da Unidade Goiás do TJMG e teve como tema "Direitos Humanos e Dignidade no Trabalho na Perspectiva do Serviço Público" Após palestra a jurista concedeu entrevista ao Expressão SINJUS.




Expressão SINJUS: Qual é a relação entre o assédio moral, saúde no trabalho e direitos humanos?
Lydia Guevara: A relação entre o assédio moral, a saúde no trabalho e direitos humanos pode ser encontrada no respeito à dignidade do trabalhador. Isso porque direitos humanos são direitos adquiridos. O fato de a pessoa atravessar a porta da empresa para trabalhar não vai convertê-la, automaticamente, em um não-cidadão. E, como um dos direitos de cidadania é a saúde, o empregador é obrigado, por normas nacionais e internacionais, a preservar a saúde de seus funcionários, bem como sua integridade física e mental. É isso que impede a prática de assédio moral. Prática esta que, em meu conceito, é representada por condutas de violência no ambiente de trabalho: um atentado contra a saúde e, consequentemente, contra os ditames dos direitos humanos.

Expressão SINJUS: Qual deveria ser o papel dos gestores em relação à violência no trabalho?
Lydia Guevara: Os gerentes e demais dirigentes empresariais, em geral, devem cumprir a lei. Nesse caso, há normas que foram aprovadas em âmbito nacional, assim como há acordos incluídos em convenções coletivas de trabalho. Portanto, o cuidado com a integridade física e mental do trabalhador é parte da responsabilidade social que empregadores devem assumir. Isso faz parte do estado de bem-estar físico, mental e social que constitui o conceito de saúde definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).


“A saúde é um dos direitos de cidadania. O empregador é obrigado, por normas nacionais e internacionais, a preservar a saúde de seus funcionários,bem como a sua integridade física e mental”.


Expressão SINJUS: Existe um tipo de pessoa mais atingida pela violência psíquica?
Lydia Guevara: Pode-se dizer que o alvo de mais ataques, geralmente, são as pessoas que apresentam os melhores resultados profissionais. Indivíduos com mais qualificação que, aos olhos do assediador, podem representar risco para o posto que ele ocupa na hierarquia. Entretanto, vale lembrar que o assédio, assim como as demais condutas de violência no ambiente profissional, tem causas externas à pessoa que sofre. Os riscos ocupacionais que derivam disso não dependem da saúde pessoal. Afinal, ainda que a pessoa seja saudável, esses “ataques” ocasionam desgaste emocional, ansiedade e outros efeitos nocivos.

Expressão SINJUS: Quais são os objetivos e motivações do assediador?
Lydia Guevara: Os objetivos são desmotivar e desanimar a pessoa dentro de seu espaço profissional. Com isso, espera-se dobrar a vontade da pessoa, levando-a a desistir de qualquer resistência e, até mesmo, a abandonar o ambiente, demitir-se, deixando o espaço livre ao assediador. As motivações são muitas, mas sempre fundamentadas numa conduta perversa, no abuso de poder, na postura de superioridade, a fim de romper possíveis redes de proteção da vítima.

Expressão SINJUS: Como as vítimas de violência psíquica devem agir?
Lydia Guevara: Devem estar bem-informadas, conhecer o que está acontecendo e, a partir das informações e da formação que possuem, procurar
especialistas. Estes ajudam a levantar e preservar evidências, a fim de que as vítimas possam apresentar provas perante órgãos judiciais ou outros
que possam dirimir conflitos trabalhistas.

Expressão SINJUS: Como a direção das empresas deve agir para coibir essas práticas?
Lydia Guevara: A direção das empresas ou de qualquer organização é a principal garantia para a segurança e a saúde do trabalhador. Por isso mesmo, deve desarticular qualquer prática que implique violência, coerção, constrangimento no ambiente profissional. Para tanto, devem ser aplicadas medidas de prevenção, que são mais importantes do que ações de correção. Isso porque quando se utiliza a prevenção, evita-se a ocorrência da violência. Já as ações corretivas são utilizadas, lamentavelmente, quando o mal e os riscos à saúde já estão presentes. Com isso, ainda é necessário remediar lesões e danos já concretizados.

“Uma relação profissional com estabilidade,como no serviço público, amplia possibilidades de condutas de violência, pois a vítima tem mais dificuldades para abandonar ou pedir indenização”.


Expressão SINJUS: Qual é a importância das leis específicas e dos códigos de ética para coibir a violência no trabalho?
Lydia Guevara: A lei específica é um muro de contenção, que bloqueia todos que praticam ações de violência laboral. Isso porque, ao ter ciência de que as vítimas podem produzir provas em seu favor e os assediadores podem sofrer sanções, aqueles que adotam as práticas maléficas tendem a refrear esses comportamentos. Quando uma norma estabelece formas de se frear, eliminar e enfrentar a violência laboral, ela ajuda a criar um ambiente de mais tranquilidade, devido à necessidade de se respeitar a lei. Os códigos de ética podem ajudar, mas não substituem as leis (sejam nacionais ou internacionais), tampouco os acordos coletivos de trabalho. Isso porque, os códigos de ética, na verdade, são decisões administrativas (não obrigam) “aparentemente negociadas” com o coletivo de trabalhadores.

Expressão SINJUS: Quais são as táticas usadas pelos assediadores?
Lydia Guevara: As táticas mais usadas são: começar com ações sutis, imperceptíveis, que não deixam pistas ou marcas. Assim, a princípio, a vítima não percebe, chega a negar ou mesmo a acreditar que esteja provocando “determinadas situações”. Na sequência, as imposições psíquicas
vão crescendo, até terminar em verdadeira violência física e/ou psicológica, com uma crueldade sem limites, cujo propósito é provar o estado de “inferioridade” da vítima quando comparada ao assediador. Assim, ele garante que, naquele ambiente, a pessoa vitimada não conte com qualquer apoio, uma vez que desestimula a possível atuação ou rejeição de testemunhas.

Expressão SINJUS: Como os sindicatos devem atuar em relação a temas como violência e dignidade no trabalho?
Lydia Guevara: O mais importante é que as entidades sindicais estejam preparadas, conheçam bem esse assunto, acompanhem seminários, a fim de saber os riscos ocupacionais, tanto para a organização quanto para o indivíduo. Uma vez que tenham suficiente informação, devem repassá-la aos trabalhadores; trocar conhecimentos e experiências com as chefias/gerências, bem como criar grupos de trabalho que visem combater a violência psíquica e o assédio em seu raio de alcance no ambiente profissional.

Expressão SINJUS: Aborde peculiaridades do serviço público, em relação a condutas de violência psíquica:
Lydia Guevara: O que diferencia o serviço público do setor privado, em primeiro lugar, é o fato de se tratar de uma relação profissional com estabilidade. Isso amplia possibilidades de condutas de violência, pois a vítima tem mais dificuldade para abandonar ou pedir indenização em caso de rescisão do vínculo empregatício. Em segundo lugar, as relações hierárquicas burocráticas tornam difícil apontar a responsabilidade, que se dilui entre os diferentes níveis existentes, sobretudo em serviços como docentes, educativos, de saúde e de justiça. Além disso, no serviço público a violência é dobrada: vem de fora e de dentro. De fora, vem de usuários que não obtêm respostas satisfatórias às suas reclamações, ou recebem serviços de baixa qualidade, ou demora nas soluções e querem aplacar sua insatisfação. Muitas vezes, fazem isso por meio de violência física ou psicológica sobre aquele que presta o serviço. De dentro, vem da própria administração, que pode atuar com violência em relação aos servidores. Para complicar, é bom lembrar que, embora sendo uma prática generalizada, a violência psíquica não é facilmente reconhecida ou provada; há empenho em ocultá-la, culpando a vítima de falta de preparo ou de conhecimentos, entre outros possíveis “defeitos”. Tudo isso para negar a relação causal entre os riscos existentes e o resultado: um ambiente irrespirável e repleto de insatisfação e raiva.

Entrevista: Expressão Sinjus Nº182 - 14 de setembro de 2009
Foto: Thaniara Carvalho

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