segunda-feira, 17 de março de 2014

Manifesto de pesquisadores e trabalhadores do campo Saúde Mental e Trabalho


Nós, que atuamos na área de saúde do trabalhador, vimos a público manifestar nossa apreensão, pela divulgação crescente de cursos e atividades, voltadas a trabalhadores, com títulos aproximados a “Saúde Mental e Trabalho”, “Saúde Mental do Trabalhador” e similares, promovidas por instituições diversas. Este sentimento decorre da percepção de que o conteúdo de muitos desses cursos nada têm a ver com esse campo de conhecimento e, pelo contrário, trazem valores e conceitos muitas vezes incompatíveis com esse referencial teórico.

Por essa razão, avaliamos como fundamental, neste momento, ratificar que a persistente e crescente precarização do trabalho não pode ficar de fora de uma análise séria sobre as transformações no mundo do trabalho. Entre outras consequências, a precarização do trabalho tem provocado um forte aumento do adoecimento da classe trabalhadora, nos diversos ramos econômicos, como atestam as estatísticas, os estudos e os depoimentos dos trabalhadores e seus respectivos sindicatos. Sabemos também que os caminhos a serem trilhados para a reversão dessa situação passam pela disputa de ideias entre os diferentes segmentos sociais.
A pressão e a intensificação do trabalho não podem ser naturalizadas e tampouco as práticas de gestão adoecedora das empresas, centradas na exigência de produtividade e estipulação de metas inalcançáveis.

Sendo assim, estamos convictos de que as ações de promoção de saúde e prevenção de adoecimentos não passam de ações cosméticas praticadas em diversas empresas, materializadas em ginásticas e exercícios físicos, em “câmaras de despressurização,” em palestras de motivação para que todos busquem o alcance das metas estipuladas unilateralmente pelas empresas e em finais de semana com atividades de encontros forçados, sejam para manobras de “ataque” como grupos militares fazem, sejam para “confraternizações”.

Essas práticas não só não têm reduzido os adoecimentos, como criam mais obrigações para os trabalhadores, roubam os raros momentos de espontaneidade no ambiente de trabalho e os sequestram de suas famílias e amigos nos momentos de lazer.

Os adoecimentos, em nosso entender, continuarão a ocorrer enquanto não se romper com a lógica de exploração do trabalho que não considera que os seres humanos necessitam dos períodos de atividade e de repouso, do espaço para uso da criatividade e autonomia, da liberdade de pensar, refletir e decidir, da possibilidade de agir utilizando suas capacidades e que a realização profissional passa pela real convivência, pelo reconhecimento social e pelo sentimento de que seu trabalho contribui para a construção de uma sociedade que priorize a vida e a saúde dos seres vivos.

Sabemos que as empresas e seus agentes sociais, infelizmente, têm trabalhado em sentido contrário, buscando o enquadramento e o aprisionamento das potencialidades e subjetividades dos trabalhadores, por meio de gestões que incutem o medo, a desconfiança e o esgarçamento da rede de solidariedade entre os trabalhadores.

Infelizmente, algumas áreas de conhecimento tem tido uma participação expressiva nesse tipo de atividade. Tais práticas se sustentam em explicações que naturalizam o contexto social e do trabalho e responsabilizam trabalhadores/as pelo sofrimento e adoecimento sabidamente provocados pelas condições e organização do trabalho.

Por essa razão, reafirmamos que qualquer prática que aprofunde essa sujeição imposta aos trabalhadores, para nós, é nefasta e só contribui para nos distanciarmos de um mundo mais igualitário.

Assinam:
Heloisa Aparecida de Souza - Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Marcelo Soares Vilhanueva - Trabalhador do SUS
Maria Dionísia do Amaral Dias – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Tereza Luiza F. dos Santos -
Vera Lucia Navarro - Universidade de São Paulo
Andréia Aparecida de Miranda Ramos – Universidade Federal de Juiz de Fora
Betty Boguchwal - CEREST/CVS/Secretaria Estado Saúde/SP
Carolina de Moura Grando – Psicóloga
Daniela Sanches Tavares – FUNDACENTRO - Ministério do Trabalho e Emprego
Edith Seligmann Silva - Psiquiatra e pesquisadora em Saúde Mental Relacionada ao Trabalho
Ivani Valarelli Menezes - CEREST/CVS/Secretaria Estado Saúde/SP
José Carlos do Carmo - CEREST/CVS/Secretaria Estado Saúde/SP
Leny Sato - Universidade de São Paulo
Lucianne Sant'Anna de Menezes - Universidade Federal de Uberlândia
Luiz Gonzaga Chiavegato Filho - Universidade Federal de São João del-Rei
Marcia Hespanhol Bernardo- Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Mareli Pfützenreuter - CEREST /Joinville-SC
Universidade Estadual Paulista

Maria Maeno - FUNDACENTRO - Ministério do Trabalho e Emprego
Marisa Aparecida Elias – Universidade de São Paulo
Renata Paparelli -
Rita de Cássia R. Louzada - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rose Marie Postigo Rauen - CEREST/Indaiatuba/SP
FUNDACENTRO - Ministério do Trabalho e Emprego 

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