quarta-feira, 2 de abril de 2014

Assédio Moral: Jornal Estado de Minas destaca abordagem do SERJUSMIG sob o tema



Servidores são as maiores vítimas
Pressão e cumprimento de metas contribuem para aumento de casos de assédio moral no serviço público. Superior Tribunal de Justiça (STJ) designou comissão para analisar casos mais graves no Judiciário

Por: Carolina Cotta, repórter do Estado de Minas

A questão do assédio ganha contornos ainda mais graves no serviço público, onde a estabilidade e a garantia de emprego podem ampliar os meios de pressão. Em áreas como o Judiciário, por exemplo, em que o contigente profissional não supre a demanda de trabalho, os mais penalizados são os servidores. Isso levou a uma resolução inédita. No fim de 2013, a então ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon considerou o assédio moral no serviço público uma modalidade de improbidade administrativa. Segundo o mestre em direito administrativo Humberto Luchessi de Carvalho, presidente da Comissão de Articulação e Acesso ao Conselho Nacional de Justiça, foi um divisor de águas no modo de o serviço público lidar com o assédio moral.

Cabe à comissão conferir desvios éticos e formular soluções para a eficiência da gestão no Judiciário. Com base no conceito de trabalho decente da Organização Inernacional do Trabalho (ver box), a comissão produziu a cartilha Trabalho decente e sustentabilidade – A saúde física e emocional dos servidores do Poder Judiciário , com informações essenciais sobre a saúde ocupacional e formas de buscar auxílio. A ideia é ensinar o servidor a mensurar situações em que o seu ambiente de trabalho é inadequado e como pleitear seus direitos. Hoje, o assédio moral não é criminalizado, embora exista um projeto de lei para isso. Em Minas Gerais, especificamente, o fenômeno é tratado como infração administrativa. 

A realidade do Judiciário tem gerado muitos casos de assédio moral. “Existem muitas metas e do magistrado é exigida produtividade máxima para uma promoção na carreira. Isso acaba sendo transferido para o servidor, que fica muito pressionado”, explica Luchessi. Para Sandra Silvestrini, presidente do Sindicato dos Servidores da Justiça de Primeira Instância de Minas Gerais, outra questão que vem impulsionando o assédio moral no serviço público, mais do que na iniciativa privada, é o fato de o superior não poder se ver livre daquele funcionário que ele quer prejudicar. “Como há estabilidade, os ataques são maiores. A alternativa do assediador é fazer o servidor adoecer e aposentar para tirá-lo.”

Escrivã judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em Uberlândia, Flávia Felício, de 42 anos, viu sua vida profissional e pessoal sofrer uma reviravolta desde 2007. Sua saúde foi extremamente afetada com os problemas de relacionamento que vivenciou com o juiz com quem trabalhava naquele período. Tudo começou quando Flávia foi trabalhar em uma secretaria que precisava de reestruturação. Apesar de a sua carga horária ser de oito horas diárias, ela entreva às 7h e só conseguia sair às 22h. “O juiz exigia que eu fizesse o trabalho de escrivã e também de despachos, o que seria atribuição dele ou de seus assessores. O volume de trabalho era tão grande que engordei 30 quilos em quatro meses e adoeci.”

Flávia procurou o juiz e pediu que ele procurasse outro escrivão, porque ela estava adoecendo com aquela rotina. “Mas ele disse que ninguém dizia não para ele e que não me deixaria sair”, lembra Flávia, que passou por uma série de problemas. Contra ela o juiz moveu cinco processos administrativos. O julgamento de todos só terminou no final do ano passado, e Flávia venceu todos. Ele também a suspendeu do trabalho, mas como era inconstitucional, Flávia conseguiu uma liminar para voltar no dia seguinte. Só depois de uma internação médica, e de um ano e meio vivenciando o assédio moral, é que conseguiu com a Corregedoria de Justiça a transferência para outra vara.

“Foram vários processos até que eu conseguisse me livrar do problema, mas durante esse período eu desenvolvi fibriomialgia, síndrome do pânico e fobia social. No final, a lei me protegeu, mesmo sendo contra um juiz. As pessoas me chamaram de maluca por eu ter coragem de enfrentar essa situação, denunciar. Consegui que a justiça fosse feita na casa da justiça”, conta Flávia, que não desistiu para não abrir mão do que acredita. “Eu não fiz direito para ganhar dinheiro, e sim para ver a justiça ser aplicada. Ainda acredito que podemos fazer justiça com justiça. Se eu desistisse teria vergonha de mim mesma. Não tinha que provar nada para ninguém”, desabafa.

Casos como o de Flávia são comuns. Para que sejam denunciados, o Sindicato dos Servidores da Justiça de Primeira Instância de Minas Gerais tem trabalhado para a conscientização dos servidores, sempre alertando para o que configura assédio moral. Desde a aprovação da Lei Complementar 116, de 2001, pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o Tribunal de Justiça precisa instituir uma comissão de prevenção e combate ao assédio moral. Hoje, o sindicato recebe as denúncias e apura os fatos, para então passar o caso para a comissão. Todo o processo é sigiloso. “Mas isso é pouco. Não queremos apenas uma atuação pontual em cima de casos, queremos a ampliação de uma política de prevenção ao assédio moral”, defende.

FAVORECIMENTO Não há uma legislação específica para julgar casos de assédio sexual no trabalho. Segundo Oswaldo Tadeu Barbosa Guedes, juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Varginha, e convocado para atuar no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, o Código Penal diz que o assédio sexual se estabelece no momento em que a pessoa de maior poder hierárquico tenta o favorecimento sexual. “Mas é difícil fazer prova, a menos que esse assédio se torne público. É a partir de testemunhos que a Justiça avalia os casos”, explica. Assim como no assédio moral, a Justiça é a responsável pelo pagamento das indenizações, mas no caso do assédio sexual o assediador é julgado na Justiça trabalhista e também na Justiça penal

No entanto, Clotário Cardoso, presidente do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte e região, faz uma ponderação: “Às vezes é apenas uma cobrança feita de forma mais rígida e o funcionário pensa que é assédio”, comenta.

O SERJUSMIG agradece as participações da Servidora Flávia Felício, escrivã judicial do TJMG em Uberlândia, e do Assessor Jurídico do Sindicato, Dr. Humberto Luchessi de Carvalho, presidente da Comissão de Articulação e Acesso ao Conselho Nacional de Justiça, que contribuíram sobremaneira para a construção desta matéria.

No próximo domingo, o jornal dará continuidade a esta série de reportagens com a publicação da matéria "Doenças provocadas pelo estresse no trabalho"

A íntegra da reportagem está disponível para assinantes online do Jornal.
(Incluída em 24/03/2014 às 15:58)

Nenhum comentário: