quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Juíza do Trabalho contesta comentário de Boechat em favor do PLS 116/17

A mensagem enviada pela magistrada ao jornalista, defende a manutenção da estabilidade no serviço público e sua extensão aos trabalhadores da iniciativa privada.


Conforme já noticiado pelo SITRAEMG (confira AQUI), o PLS 116/2017, que estabelece avaliações e até exoneração de servidores públicos, em caso de comprovada ineficiência, foi aprovado na quarta-feira (4), na Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal. Na verdade, o projeto, que se encontrava parado no Congresso desde o governo Fernando Henrique Cardoso,e foi “desenterrado” este ano graças à determinação do governo Temer e sua base no Congresso de acabar com o serviço público, prevê o fim da estabilidade dos servidores. No entanto, ainda há tempo dos servidores se mobilizarem para tentar impedir a continuidade de sua tramitação, pois a matéria ainda terá que passar por duas comissões do Senado, antes de ir ao plenário, e depois ainda ser apreciada também na Câmara dos Deputados.
O SITRAEMG tem se mobilizado – e continuará empenhado – na luta para evitar a aprovação do projeto no Congresso, e espera contar com a adesão dos servidores. Uma das oportunidades nesse sentido, por exemplo, é difundindo uma mensagem postada pela juíza do trabalho Valdete Souto Severo em sua página pessoal no Facebook. Na mensagem, ela informa que enviou um e-mail para o jornalista Ricardo Boechat, da rádio Band News, contestando um comentário feito por ele de que o PLS 116/2017 facilita a demissão de servidor público por “mau desempenho”.
No seu contato com Boechat, a magistrada, ainda que utilizando um nível de educação que o jornalista não merece, já que em seus repetidos comentários sobre os servidores os coloca, sem exceção, como folgados e descompromissados com o serviço público, oferece-lhe os esclarecimentos sobre o PLS 116/17, explicando que, aliado à Emenda Constitucional 95 (que prevê o congelamento de gastos públicos por 20 anos), esse projeto praticamente acabará com os serviços públicos. Ela argumenta que, ao contrário do que pensa o governo e os congressistas, a estabilidade dá a tranquilidade que o servidor necessita para oferecer um serviço de mais qualidade para a população, e, por isso, a defende inclusive para os trabalhadores da iniciativa privada.
Para acessar a página da magistrada e curtir e compartilhar a mensagem, clique AQUI.
Confira, abaixo, a íntegra da mensagem:
“Esta manhã Ricardo Boechat comentou o PL 116, que facilita a demissão de servidor público por “mau desempenho”…

Mandei e-mail para ele, pedindo que reflita sobre a defesa que fez de mais essa precarização… compartilho aqui com vocês.

Caro Boechat

Escuto todas as manhãs teu programa. Sou juíza do trabalho em Porto Alegre, e Doutora em Direito do Trabalho pela USP.
Esta manhã, falastes do projeto defendido por Lasier Martins, que infelizmente foi eleito pelo meu estado.
Pois bem, gostaria de esclarecer alguns pontos importantes.
Em primeiro lugar, a lei vigente (Lei 8112) já permite a demissão do servidor que não desempenhar bem suas funções (artigos 127 e seguintes). Então, nesse aspecto, não há novidade. Os servidores também já são avaliados periodicamente.
A novidade é inserir critério subjetivo para o que será considerado “mau desempenho”, a fim de facilitar a demissão.
Note que a possibilidade de utilização de critério subjetivo permite que o administrador descarte, inclusive, o servidor que com ele não compactua em termos de ideologia política, por exemplo. Ou seja, permite que a ameaça de perda do emprego seja fator de facilitação de perseguição política e assédio moral no serviço público. E isso em uma realidade na qual já está ocorrendo sucateamento das instituições públicas, parcelamento de salários e perseguição política.

Bem sabemos do momento de exceção em que estamos vivendo.
Tu dissestes no programa de hoje que os serviços públicos muitas vezes são mal prestados. É verdade. O problema, porém, não é a garantia que os servidores têm contra a despedida. Se isso fosse verdade, os serviços de telefonia, já privatizados, seriam eficientes. Não são. Temos estruturas deficitárias, demandas em quantidade maior do que a capacidade de atendimento e tantos outros fatores que teriam de ser considerados e que impedem a análise simplista que joga a culpa sob os ombros dos servidores.
Praticamente todos os países ocidentais (todos os europeus certamente) reconhecem garantia contra a despedida para empregados de empresas privadas e estabilidade para várias categorias. Nem por isso, os serviços na Alemanha, por exemplo, são mal prestados.
Servidores não tem privilégios, tem direitos!

Direitos que deveriam ser estendidos à iniciativa privada, e não suprimidos.
Não podemos capitular diante de um discurso liberal que está rifando direitos mínimos. O mesmo já ocorreu com a reforma trabalhista, que sob falsos argumentos precariza ainda mais as condições de quem trabalha no Brasil, prejudicando com isso não apenas o trabalhador e sua família, mas também o próprio mercado interno, porque reduz consumo; o próprio estado, porque suprime base de arrecadação para a previdência.

Retirar proteção para o trabalhador servidor (que na realidade do estado que o senador Lazier representa está tendo seus salários parcelados), privatizar, retirar direitos trabalhistas, é criar instabilidade. Ou seja, é ruim para todos.

A questão aqui não passa pela qualificação do serviço, mas pela intenção de reduzir ainda mais o número de servidores, prejudicando a prestação eficiente do serviço.

Essa lei, se aprovada, ao lado da EC 95, implicará a completa falência dos serviços públicos que, para a realidade concreta de um número expressivo de brasileiros, é a única via para obtenção de saúde, segurança ou justiça.

A proteção contra a despedida que é direito dos servidores, atende ao interesse público, pois evita (ou tende a evitar) que esses trabalhadores atuem pressionados pelo medo da perda do trabalho, permite que se qualifiquem ao longo do tempo e lhes dá a tranquilidade para bem exercer seu mister.

Caro Boechat, em um país com tantos desempregados e miseráveis, com tão alta concentração de renda, deveríamos estar batalhando para estender aos empregados da iniciativa privada o direito de não serem despedidos, senão pelo cometimento de falta grave como, repito, já é possível hoje, pela legislação vigente, em relação aos servidores públicos.

Será que não retrocedemos o suficiente com a reforma trabalhista?

Chega de retirar direitos sociais!

O que conseguiremos com isso será a potencialização da miséria, da violência urbana, das doenças ligadas à instabilidade da vida contemporânea.

Esse discurso de retirada de direitos não promove avanço, não irá qualificar a prestação do serviço público. E não atende ao anseio da sociedade, basta ver os números da consulta pública no site do Senado (101605 contra e 34820 a favor).

Por te considerar um dos melhores comunicadores da atualidade no Brasil, te peço que reflita acerca da defesa desse projeto nefasto, cuja “propaganda” é já enganosa, pois distorce a realidade vigente. E cujas consequências atingirão, inclusive, o cidadão que busca tais serviços.

Abraço fraterno,

Valdete Souto Severo”

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