quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O trabalho do assistente do Juiz

Por Arthur Lobato, psicólogo, responsável técnico pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG.
Um dos focos de estudos e análises realizadas pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral do SITRAEMG (DSTCAM/SITRAEMG) é a relação que pode existir entre a política de metas e produtividade implementada no judiciário brasileiro e sua relação com o sofrimento e adoecimento no trabalho. Denomino esta mudança paradigmática no judiciário brasileiro de virtualização do trabalho, pois o processo judicial deixa de ser físico para ser eletrônico, e também é realizado a distância (teletrabalho). A informática gerencia e controla a jornada e a produtividade do servidor e do magistrado pelo login do servidor, e o trabalho a distância (teletrabalho ou home office)  surge como nova solução para aumentar a produtividade e deixar os riscos e despesas para o trabalhador. 
Para analisar esta relação entre produtividade/adoecimento, será utilizada a psicodinâmica do trabalho, método desenvolvido pelo psicanalista francês Christophe Dejours, que realizou pesquisas tanto em usinas nucleares francesas quanto na organização do trabalho do Judiciário Francês. Christophe Dejours, em palestra no Tribunal Superior do Trabalho -TST, pelo Programa Trabalho Seguro, do TST e do CSJT, que teve como tema “Do biênio 2016/2017 – os transtornos mentais relacionados ao trabalho” (acesse o link para ver/ouvir a palestra “Saúde Psíquica e Trabalho Judicial”, que abordou o trabalho do juiz, o sofrimento e adoecimento do magistrado francês, depois da implementação do NPM – New Public Management -, ou seja, o “novo gerenciamento do serviço público”, modelo bem parecido com o projetado pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, na reformulação do Judiciário Brasileiro.
Este modelo oriundo dos métodos de gestão empresarial foi alvo de críticas, pois foi constatada a relação do aumento de adoecimento e sua relação com a política de metas e produtividade implementada pelos bancos públicos e privados, em vários estudos e pesquisas elaborados por sindicatos dos bancários e por sua federação. Foi constatado um alto índice de adoecimento por causa de uma política em que os números importam mais que a saúde e a qualidade de vida do trabalhador.
Apesar de, na palestra, Dejours abordar o trabalho do magistrado, ele lança um novo olhar: o sofrimento ético do juiz de ter que ser produtivo, focando a quantidade e não a qualidade. E, para ser produtivo, é necessário o pleno envolvimento dos assessores do juiz, que muitas vezes realizam quase que a totalidade do trabalho do magistrado, com ou sem sua orientação. O processo eletrônico – em que as partes podem entrar com o processo 24 horas por dia, sete dias por semana – faz com que o aumento de processos seja maior que a capacidade do juiz e sua equipe de dar conta de dar baixa, além de que, pelas metas de 2018, o estoque processual tem de ser baixado junto com os novos processos e os processos em andamento.
Esta meta impossível gera sofrimento, adoecimento, pois falta pessoal, já que aposentados e adoecidos não são repostos, não há concurso público para mais servidores e magistrados e faltam as próprias instalações físicas, como sala, mesa, computador e cadeira. Daí a ênfase dada ao “teletrabalho”, que, no meu entender, é mais uma armadilha para o trabalhador, conforme discutido em outro artigo de minha autoria, aqui publicado: Trabalhar em casa: a captura da subjetividade do trabalhador”. 
O sofrimento ético do juiz acontece quando este, em busca de mais produtividade, repassa sua função para seu assessor. Para o assessor, o sofrimento é maior, pois em vez de assessorar o juiz, o servidor tem de analisar, julgar e proferir a sentença, cabendo ao seu superior ler, concordar e assinar. Mas, muitas vezes, o magistrado só assina, e depois, as consequências podem ser irreversíveis, e o juiz se culpa por não ter analisado melhor aquela sentença feita pelo assessor – e o pior, ainda culpa o assistente por não “ter pensado como ele”.
Os pesquisadores Giovanni Alves e Roberto Heloani escreveram um livro magistral – “O Trabalho do Juiz” -, no qual fazem uma reflexão crítica sobre as condições de produção da Justiça do Trabalho no Brasil e seus impactos na saúde do magistrado, a partir do vídeo documentário encartado na obra impressa.
Herval Pina Ribeiro também escreveu um livro com referência ao trabalho do juiz, que se chama “O Juiz sem a Toga”, e é um estudo sobre a percepção dos juízes sobre trabalho, saúde e democracia no judiciário, o adoecimento dos juízes. Nele, os conflitos, dúvidas e análises de diferentes juízes são postas em cheque. Vale a pena ler estas obras.
Mas, faltava um trabalho mais específico sobre os servidores do judiciário. Mais uma vez, o médico e doutor em saúde pública Herval Pina é a referência com seu livro “Os Operários do Direito”, lançado pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (Sinjusc). É uma obra de dois volumes, resultado de uma pesquisa de sete anos e relata casos de história oral colhidos através do projeto “Trabalho e Saúde dos Servidores do Judiciário de Santa Catarina”, promovido pelo Sinjusc, mostrando que, no quesito saúde, é viável e necessária uma parceria entre sindicato e tribunal.
Produtividade (quantidade) x qualidade: eis o dilema que precisamos enfrentar juntos, pois temos que ter produtividade e qualidade, sem adoecimento por excesso de trabalho. Um bom tema para os Comitês Gestores de Saúde debaterem, pois a política de produtividade, os selos de qualidade e as análises comparativas de produtividade entre secretarias, varas, cartórios e seções judicias estão fazendo com que o assédio moral seja utilizado como modelo de gestão: os chefes despreparados humilham, gritam e maltratam servidores, em busca de mais produtividade, mas o que conseguem é insatisfação e adoecimento dos servidores, que chegam ao seu limite, adoecem e se sentem culpados por “não darem conta de tanto trabalho”, por mais que se esforcem. Os critérios para as funções comissionadas e para as avaliações de desempenho também  são ambivalentes, pois parece que só vale a subjetividade do magistrado, e a do servidor nem é levada em conta. Este é outro fator de sofrimento e adoecimento: não ser reconhecido ou valorizado pela chefia, apesar de todo esforço e envolvimento com o trabalho.
Voltando à palestra de Dejours, ele afirma que, se o juiz está sobrecarregado, seu assessor também, já que a carga de trabalho e a responsabilidade aumentaram, e com isto aumenta também  o sofrimento psíquico dos servidores.
Preocupado com esta situação descrita neste texto, o SITRAEMG convida os assistentes de juízes do judiciário federal em Minas Gerais (TRE, TRT e Justiça Federal) a procurarem o Sindicato, para que possamos analisar e propor políticas de enfrentamento a este problema, que parece ser individual, mas que deve ser enfrentado de forma coletiva. Qualquer ideia, problema ou relato de caso será de grande importância para aprofundarmos neste estudo. Para isto, existe o canal de denúncia e o atendimento individual psicológico da Clínica do Trabalho, cujo foco é entender qual é o papel do trabalho na relação prazer/sofrimento/adoecimento do trabalhador.

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