terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

A subjetividade, o corpo, a mente e o sofrimento mental

Por Arthur Lobato, psicólogo, responsável técnico pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG.
Quando falamos em processos mentais conscientes, estamos nos referindo a cognição, raciocínio lógico, memória, capacidade de abstração e cálculo entre outros fenômenos que são produtos da mente. Mas na mente existe também o inconsciente, que pode ser acessado pela interpretação dos sonhos, nos atos falhos, no jogo de palavras, revelados à consciência através das associações de palavras e oculto pelo sintoma, o qual deve ser analisado e interpretado pelo psicólogo e paciente no encontro terapêutico.
Entretanto, quando falamos de mente, estamos falando de uma abstração, pois fisicamente o que existe é o cérebro. A mente seria o “software” – “conjunto de componentes lógicos de um computador ou sistema de processamento de dados; programa, rotina ou conjunto de instruções que controlam o funcionamento de um computador; suporte lógico”. A mente/software, portanto, seria um conjunto de “aplicativos”, cada um com uma função, interligados entre si; e o cérebro, um hardware, ou seja, o suporte físico da mente, “equipamento mecânico necessário para realização de uma determinada atividade” em uma comparação com um computador. Assim como o software para funcionar depende do hardware, também não existe mente sem corpo.  Portanto, o mental é um efeito da  sensação e da percepção sobre o cérebro, percebidas pelo indivíduo através dos cinco sentidos (tato, olfato, audição, visão e paladar), os quais levam as informações ao cérebro que as processa, na forma de entendimento lógico racional. Neste constante processo de aprendizagem, a memória (capacidade de reter informações e usá-las posteriormente) tem um papel fundamental. Todo aprendizado e sua relação com a memória começam na infância. Por exemplo, após uma criança se queimar, a dor deixa uma sensação, marca retida na memória, cria-se um aprendizado sensorial/cognitivo, assim ela evita o fogo que queima e causa dor. Além das experiências sensoriais, a educação, a cultura e a moral transmitem conhecimento, valores, conceitos e formas de se relacionar com o mundo e com nosso semelhante. A aprendizagem é um processo evolutivo em todo ser humano saudável.
O ser humano aprende com o outro, seja um professor, familiares, ou pelos livros, áudio e vídeos. Por isso, somos seres relacionais, precisamos nos relacionar com os nossos semelhantes para aprender e evoluir. Portanto, o corpo/mente é uma unidade, síntese de um indivíduo, que habita o mundo com outros seres humanos.
No entanto, também somos vulneráveis aos perigos externos do mundo e pelos atos de violência praticados por nossos semelhantes. A violência pode ser física, psicológica, moral, mas somente a violência física deixa marcas visíveis. Nos outros tipos de violência, as marcas do trauma são invisíveis, como no caso do sofrimento psíquico em que só o sujeito tem acesso à dimensão de sua dor, vivência subjetiva que só pode ser acessada pelo outro via discurso.
Porém, esse discurso do sofrimento mental, emocional ou moral pode ser a verdade do sujeito, mas não ser aceito pela família, por chefias no trabalho e até mesmo por profissionais de saúde. Aqui, a verdade do sujeito manifesta no discurso pode ser interpretada por quem a escuta, considerando esta dor invisível como no caso da depressão, fingimento ou exagero.
A verdade do sujeito contém sua subjetividade, ou seja, seus valores, ideais, frustrações, revolta, amor e ódio, e outras polaridades.
A doença física pode vir através de vírus e bactérias invisíveis aos nossos sentidos.  Podemos sofrer com os acidentes naturais, nas estradas, nos veículos. Não vamos para um deserto sem água ou comida, pois a mente racional pensa e organiza o que é necessário para nossa sobrevivência em ambientes hostis à vida humana. O corpo, através dos sentidos (percepção, sensação), utiliza e retroalimenta as informações sensoriais e do aprendizado através da razão/memória, para proteger o corpo/mente dos perigos. É o nosso instinto de sobrevivência.
A dor é um sinal de que algo está errado em nosso corpo. Mas, além dos perigos que causam riscos físicos, que causam sofrimentos físicos – ou seja, relacionadas ao corpo, que são visíveis -, há o sofrimento invisível, sofrimento mental, emocional, cuja dor é subjetiva e só quem a vive sabe de sua intensidade, muitas vezes, paralisante, como no caso da depressão.
A medicina trabalha na relação de causa/efeito. Se quebro a perna, o osso quebrado precisa de ser recuperado, imobilizado, e a perna engessada. Se a pele de nosso corpo fica amarela, assim como a região branca dos olhos, há um indício de hepatite. Ao se fazer exames de sangue, é confirmada a doença: é feito o diagnóstico e a forma de se intervir. O órgão afetado, neste caso, é o fígado. Logo, através do medicamento ou da cirurgia, haverá uma atuação no órgão que é a causa da doença localizada no fígado. Ou seja, a doença é o efeito. A cor amarela da pele é um dos sintomas da doença. Assim, estabelece-se uma relação de causa e efeito e a forma de se intervir no local em que se origina a doença.
No caso do sofrimento mental e emocional, não existe esta relação exata de causa e efeito, entre o órgão afetado e a doença. Onde se localiza o sofrimento do deprimido? No cérebro? Em falhas químicas nos neurotransmissores? Da mesma forma pergunto:  onde se localiza o amor? No corpo todo? Na mente? Nos hormônios? Pois quando amo, amo com todo meu corpo, mente e sentimento. Antigamente, os poetas diziam que o amor estava no coração. Mas, na era dos transplantes, troca-se o coração, mas o coração transplantado não mantém os desejos e o amor daquele que morreu, mas sim o amor e os desejos de quem recebeu o órgão.
Lanço a questão: onde se localiza a depressão?
A maioria dos remédios antidepressivos e ansiolíticos contêm, em sua bula, uma dúvida: “…espera-se que este medicamento…”. O alvo são as conexões sinápticas localizadas no cérebro, buscando alterar o processo químico. Nas conexões sinápticas, química e eletricidade se alternam. Os antidepressivos e ansiolíticos podem ser “inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS ou SSRI), inibidores da monoamina oxidase (IMAO), uma classe de fármacos que atuam bloqueando a ação da enzima monoamina oxidase, e os antidepressivos tricíclicos, uma classe de fármacos usados no tratamento sintomático da depressão e outras síndromes depressivas. Eles têm esse nome devido à presença de três anéis de carbono. Estes medicamentos realmente alteram a química cerebral, mas isso não quer dizer que vão alterar os pensamentos e sentimentos da forma desejada pelo médico e paciente. É por isso que todo tratamento psiquiátrico deve ser acompanhado de psicoterapia, pois é na relação entre o psicólogo e o paciente, no discurso, na fala, que se localizam as origens do sofrimento. A palavra é o corpo/mente verbalizado e revelado no discurso. Afinal, sempre falamos para alguém e, ao mesmo tempo, somos ouvintes de nosso próprio discurso.
Procure o DSTCAM do SITRAEMG para falar de seu sofrimento. Procure ajuda para amenizar o mal-estar psíquico. Nós acreditamos em sua verdade e queremos ajudar a recuperar a saúde mental e emocional, desestabilizadas pelo trabalho, pelas humilhações, injustiças, abuso de poder ou pelo excesso de trabalho sem valorização ou reconhecimento.

Publicado em: http://www.sitraemg.org.br/

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