Por Arthur Lobato, psicólogo/saúde do trabalhador, responsável técnico pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG.
O filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (Copenhague 1813-1855) escreveu uma das mais brilhantes obras sobre o desespero humano que, resumidamente, pode ser sintetizada nas seguintes frases: desespero ante ser o que não se quer ser, ou o desespero de não conseguir ser o que se quer ser.
Abordando o tema sob o olhar da psicologia, podemos ver nas teses do autor dinamarquês seu correlato com a psicologia na análise da depressão e da ansiedade. Freud tem um nome para o desespero: pulsão de morte.
A depressão, segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, é o grande mal que afetará milhões de pessoas no planeta no século XXI. Geralmente, a depressão está ligada à frustração de não conseguir alcançar seus objetivos, sonhos, ilusões. Precisamos saber lidar com a adversidade e a grande adversária que a vida nos reserva é a morte. Este medo da morte é a raiz da crise existencial. Entretanto, este medo paralisante é recalcado pela nossa sociedade com o trabalho, o consumo, os passatempos, sublimados pela arte e pela religião, mas continua como um mal-estar permanente.
Vivemos em permanente tensão – por exemplo, quando sou obrigado a ser um ator social representando um personagem que é falso; quando agimos no trabalho obedecendo ordens absurdas, dizendo sempre “sim senhor”. Quando nosso potencial não está sendo bem aproveitado e, mesmo assim, continuamos trabalhando em um ambiente desmotivador, convivemos com fatores que geram tristeza, desânimo, melancolia, ou seja, o desespero de ser obrigado a ser alguém que não se quer ser, simplesmente para sobreviver. Por mais que pense, esforce ou batalhe, não ha nenhuma expectativa de melhora. Por isso, procura-se manter a imagem, a família, o emprego, mesmo não estando satisfeito ou feliz, e aos poucos, o desânimo, a frustração constante pode evoluir para um quadro depressivo. A depressão contém as sementes do desespero de ser o que não se quer ser.
Geralmente, a ansiedade está relacionada ao futuro, às preocupações que podem possuir um fundo de verdade, como a situação política e econômica de um país. Se vai conseguir pagar as contas no fim do mês. O medo do desemprego. A angústia de não dar conta do trabalho cada vez mais exigente, com as empresas e instituições seguindo um modelo obsessivo de metas e produtividade. Situações que geram ansiedade, angústia, ou seja, que levam ao desespero de não conseguir ser o que se quer ser. A depressão seria o sintoma do sujeito que “não suporta ser ele próprio”, nas palavras de Kierkegaard, já que, segundo o autor, “delícia é ser o que eu quero ser”, e suplício, “ser o eu que não quero ser”.
No serviço público, os estudos sobre absenteísmo apontam os transtornos mentais e emocionais como o principal fator de afastamento do trabalho. Qual será a relação destes transtornos com o desespero, já que “não podemos nos libertar de nós mesmos”, mas conviver, sem adoecer com nossas contradições e paradoxos da vida, da sociedade, do mundo do trabalho.
Diferente da doença física que mantém uma relação de causa e efeito entre o sintoma e o órgão adoecido, como, por exemplo, a cor amarela de alguém com hepatite remete ao fígado como órgão adoecido, quando falamos do estado mental, estamos falando de algo que como as emoções não pode ser medido. O cérebro de um deprimido, de um psicótico, de um gênio, de um criminoso em autópsias, não apresenta diferenças. Somente as doenças cerebrais como tumores, acidente vascular cerebral (AVC), entre outros, são identificados na autópsia.
Por isso, o mental é regido pelas relações sociais, familiares, pela genética, pelo país em que se nasce, com sua cultura, normas, leis e tabus. Nessa interação entre indivíduo, seu semelhante, sua sociedade e sua cultura, surge o sujeito pensante, razão e emoção.
A principal forma de nos relacionarmos é pela linguagem, que, além de nos diferenciar de todos os animais, permite que haja comunicação, transmissão e aperfeiçoamento de conhecimento, e o ser humano só existe por causa da linguagem. Entretanto, nossa sociedade tirou este aspecto mágico, quase que divino da linguagem, que é a essência da relação eu-tu. A linguagem é banalizada desde a mais tenra infância como algo que em nós é tão natural como respirar, quando na realidade é um aprendizado, pois é o outro que me ensina a falar, escrever. A escola nos ensina a pensar, calcular, medir, e a vida cria este ser único que sou eu, que é você. Iguais enquanto seres humanos, mas diferentes em nossa autonomia, desejos e pensamentos.
Kierkegaard já dizia “o reconhecimento produz o alívio”, ou seja, diminui a angústia, o sofrimento, o desespero, e devemos “ousar ser um indivíduo, não um qualquer, mas este que somos, isolado na imensidade de seu esforço e da sua responsabilidade”, sendo o ser humano, síntese de antagônicos (finito e infinito, temporal e eterno, liberdade e necessidade). Como dizia Freud, somos definidos enquanto sujeito, pela forma como lidamos com nossas pulsões, tanto as pulsões de vida quanto as mortíferas, e para isto, temos que nos relacionar com o mundo e com nossos semelhantes.
Assim, voltamos ao tema que me proponho a trabalhar, a saúde do trabalhador. O que acontece na relação de trabalho, no relacionamento interpessoal, para que haja tanto transtorno mental? Quando a emoção diz: não suporto mais!!!! Quando a mente esgotada por horas e horas de trabalho, ainda tem de trabalhar mais, como no conto de Fiódor Dostoiévski que escrevi anteriormente. Esta é a reflexão que trago hoje: Como viver e conseguir ser o que se quer ser e conseguir escapar da pulsão de morte, que é o desespero humano?
Não há uma fórmula. Cada resposta é individual. Mas, coletivamente, no trabalho, temos que fortalecer nossa entidade sindical, pois, se no caso individual cada caso é um caso, o mal-estar que acontece no trabalho envolve o coletivo de trabalhadores e somente um sindicato forte, com a participação dos servidores, será uma perspectiva na luta por direitos, por um ambiente saudável, no trabalho que não gere tanto sofrimento e desespero.
O SITRAEMG oferece a seus filiados atendimentos psicológicos individuais — A Clínica do Trabalho do DSTCAM. Assim, o Sindicato age de forma coletiva e oferece um espaço clínico para que cada um possa lidar melhor com sua angústia, ansiedade, no trabalho, enfrentando o desespero em encontros terapêuticos que possibilitem convivermos com nossa condição humana. Afinal, já afirmava Kierkegaard: “quanto mais consciência humana, mais eu haverá, quanto mais eu, mais vontade, quanto maior a vontade, maior será a consciência de si próprio”, e, assim, combatemos o desespero moderno cujos sintomas são a ansiedade e a depressão.
Publicado em: http://www.sitraemg.org.br/
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