quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A perseguição: Subjugando a vontade do sujeito até o limiar de suas forças


Entrada campo de concentração de Auschwitz com a frase, em alemão, 'Arbeit Macht Frei') - "O trabalho liberta".
Artigo escrito em 15 de agosto de 2013 
Por: Arthur Lobato *

Uma das características do assédio moral é a perseguição que a vítima sofre. Há um tratamento diferenciado no ambiente de trabalho. A “flexibilidade” só existe para alguns colegas de trabalho, os quais podem se ausentar por problemas pessoais, chegar um pouco mais tarde, sair mais cedo, ir ao médico ou dentista no horário de trabalho, tirar artigo 70 perto de férias ou feriados, entre alguns exemplos. Entretanto, existe no grupo de servidores um trabalhador que percebe que para ele a lei é a lei. Pequenos atrasos são motivos de reclamação por parte da chefia, os elogios são sempre feitos, pela chefia, aos outros colegas e nunca a ele. Há casos em que o servidor esta com um familiar doente, em situação de risco de vida, e, mesmo assim, as chefias são inflexíveis, não aceitam o documento de presença do hospital e nem deixam compensar o dia, cortam logo o ponto. O “famoso” artigo 70 é sempre negado, para este trabalhador. Há cobranças excessivas ou injustas sobre o serviço, as advertências são praticadas sob o pretenso manto da legalidade, as avaliações de desempenho são injustas. Enfim, esses são alguns exemplos do tratamento diferenciado praticado por chefias contra o servidor.

É sempre bom lembrar que o assedio moral no trabalho, é um conjunto de praticas perversas, com intenção de prejudicar uma pessoa. O assédio moral é realizado ao longo do tempo, muitas vezes com participação dos próprios colegas, instigados pela chefia. Assim, todo assédio moral contém atos de perseguir e prejudicar o trabalhador. O mal estar emocional e psíquico é vivenciado pelo trabalhador, causando desanimo, desmotivação, afetando, portanto, a auto estima, sua capacidade emocional e laboral.

Nas empresas o objetivo do assédio moral é a demissão por justa causa do trabalhador, seja através do boicote, da perseguição, ou das provocações, pois em muitos casos a vítima perde o controle emocional, uma reação desesperada do organismo contra todo mal estar vivido no ambiente de trabalho. Ao “explodir”, (perder o controle emocional), acontece a demissão por “desrespeito à chefia”, a qual desrespeitou o trabalhador durante todo o tempo.

No serviço público busca-se com o assédio moral a remoção do servidor do setor, já que após o processo de assediar, o que temos é o adoecer emocional, psicológico e físico do trabalhador, e, muitas vezes, a incapacidade laborativa da vítima de assédio moral.

Perseguir o outro é uma forma de exercer o domínio, de subjugar a vontade do sujeito até o limiar de suas forças, transformando-o em um objeto de manipulação, pois pode existir um prazer sádico de quem assedia, já que o poder, mesmo que pequeno em uma organização do trabalho, revela o fascista que se esconde em muitos incompetentes e medíocres.

Existem, também, politicas de gestão danosas à saúde do trabalhador, que se caracterizam pela não implicação de quem faz o mal com os atos praticados, como se os chefes apenas “cumprissem ordens”, mesma frase usadas pelos nazistas em Nuremberg, atitude que a filósofa Hannah Arendt chamou “banalização do mal”. Quando paramos de pensar para apenas “cumprir ordens”, seja ela aumentar a produtividade de um matadouro de animais ou de judeus em fornos crematórios, o gestor não sente nem culpa, nem o prazer do perverso em fazer o mal ao outro. “Estava apenas fazendo o que mandaram fazer”, esta é a famosa frase de Adolf Otto Eichmann, oficial na Alemanha Nazi e tenente-coronel da SS, sobre suas atividades em Auschiwitz, um dos maiores campos de extermínio, que a razão humana, a hierarquia e a disciplina da organização do trabalho nazista realizou, com sua burocracia, tecnicista, racional e altamente eficiente.

Hannah Arendt concluiu a partir de seus estudos e análises que o assassinato do caráter faz a banalização do mal. Cumprir ordens é não pensar. O pensamento é a maior atividade humana, o que nos diferencia dos animais, e, não se importar com seu semelhante é o traço de quem já perdeu a sua humanidade, portanto, o outro não significa nada, é mais um número, mais uma cifra.

A relação de domínio é feita não apenas através da força, mas pela subjugação da vontade do outro. É o domínio psicológico e emocional através do medo que o dominador exerce sobre o dominado, o controle total sobre o corpo, a mente, as emoções, verdadeiro terrorismo psicológico.

No ambiente de trabalho a vítima de assédio moral muitas vezes pode ser comparada, em uma escala menor, a um prisioneiro de um campo de concentração, como em Auschwitz, onde à entrada estava escrito, Arbeit macht frei (O trabalho liberta), última esperança que os judeus tinham antes de morrer nas câmaras de gás ou nos trabalhos escravos, afinal, os nazistas criaram uma nova categoria no campo do trabalho “morte por exaustão” ou seja trabalhar até a morte.

Estamos falando de trabalho escravo, mas com relações de poder autoritárias e perversas entre dominador e dominado, entre senhor e escravo. E se os nazistas deixaram como legado, a propaganda política, a indústria farmacêutica, as experiencia médicas de Josef Mengele, também nos deixaram este tipo de organização do trabalho, autoritária, mecanicista, burocrática, onde o fim justifica os meios, metodologia, que mesmo de forma diluída, é praticada em muitas empresas. Acontece, então, a destruição da dignidade humana do trabalhador assediado. Após um longo período de perseguições, tratamento diferenciado, a sensação de injustiça e impotência da vítima, o transforma em alguem onde o trabalho perde o sentido, assim, a vítima cai no vazio existencial, pois precisamos de sentido para nossas atitudes.
O sentido do trabalho é subjetivo para cada um de nós, buscamos no trabalho a realização de nossas capacidades profissionais, entretanto em todo trabalho, muitas vezes o que adoece são os relacionamentos onde impera o autoritarismo e a perseguição como estratégia organizacional.

Quem sobreviveu aos campos de concentração tinha um sentido para continuar vivo como bem escreveram o médico psiquiatra Viktor Emil Frankl e o químico e escritor Primo Levi, pois, o que os mantiveram vivos era a necessidade de sobreviver para denunciar o que aconteceu.

Os campos de concentração para Hannah Arendt operaram como laboratórios nos quais se experimentou a transformação da própria natureza humana, mediante a destruição da espontaneidade de cada individuo, tornado intercambiável e supérfluo. Está em questão a dignidade humana, pois, para ela o respeito pela dignidade humana implica o reconhecimento de cada individuo humano como edificador de mundos ou coedificador de um mundo comum” 1

Nos estudos de casos sobre assédio moral, constatamos a perseguição mesmo depois da saida do trabalhador da empresa. Gerentes de Recursos Humanos de empresas descumprem ação judicial, fornecendo documentos incompletos ou formulários vencidos, transferem uma questão de direito do trabalhador para uma causa jurídica interminável, com seus recursos e poder do jurídico da empresa, e, o trabalhador sem receber o FGTS, seguro desemprego, homologação, meses depois de ter saído da empresa, ainda sente a marca da maldade, a negação de seus direitos. A empresa permanece enquanto poder supremo, com a politica administrativa de prejudicar o trabalhador, sendo os responsáveis, apenas “burocratas”, gestores cumprindo ordens da empresa, como os carrascos de Auschwitz “cumpriam ordens superiores”. Este tipo de gente, não questiona sobre suas ações, não pensa nem sente culpa pelo mal que faz aos trabalhadores, seres humanos como ele ou ela.

A comissão paritária sobre assedio moral, criada entre o TJMG e sindicatos, já foi regulamentada, e o Sinjus-MG vem se preparando para mais este desafio, através de estudos, pesquisas e práticas. O trabalho da Comissão de Combate ao Assédio moral do Sinjus-MG, da qual sou coordenador há 6 anos, será apresentado no II Congresso IberoAmericano sobre Assédio Laboral e Institucional, em Buenos Aires, de 24 a 29 de agosto, quando falarei sobre A ação sindical em prol da saúde do trabalhador e o acolhimento que fazemos às vítimas de assédio moral: o plantão de atendimento às vítimas de assedio moral.

Nos próximos artigos abordarei alguns temas de destaque no congresso, que contará com a participação de Marie France Hyrigoen (França), Margarida Barreto (Brasil), José Carlos Zanelli (Brasil), Roberto Heloani (Brasil), Suzana da Rosa Tolfo (Brasil), Dulce Suaya (Argentina), Florencia Peña Saint Martin (México), entre outros renomados pesquisadores e profissionais da saúde do trabalhador.


* Arthur Lobato é Psicólogo e Coordenador de Comissões de Combate ao Assedio Moral no ambiente de Trabalho.


1Hannah Arendt, The origins of totalitarianism, p.458 (p.509 da trad. Bras.), in Hannah Arendt, A Condição Humana, tradução: Roberto Raposo, revisão tecnica: Adriano Correia – 11ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2010.

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