quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Assédio Moral reflete lógica da competitividade no trabalho, afirma Roberto Heloani



Mais de três horas de debate e, se dependesse do público, poderia ter sido até mais. Foi assim a palestra sobre Assédio Moral, ministrada pelo professor da Unicamp, José Roberto Heloani, na tarde dessa quarta-feira, 09/09, na Adufmat-Ssind.

Há 17 anos estudando o tema, Heloani falou com muita propriedade sobre diversos casos de assédio moral, sexual, violência no trabalho e outros instrumentos de abuso de poder, a partir de pesquisas com diversos profissionais de serviços públicos e privados.

O eixo do debate foi o que motiva práticas de abuso de poder e assédio no trabalho: a lógica da competitividade. Reflexo do modelo liberal de organização do trabalho, a necessidade de cumprimento de metas em busca do lucro teria, segundo o professor, esfacelado espíritos de solidariedade e coletividade nos ambientes de trabalho.

“Assédio moral tem relação direta com a forma que se organiza o trabalho. O grande problema do modo gerencial de produção é destruir o coletivo de trabalho. Um hospital obedece, hoje, as mesmas regras de qualquer fábrica de automóveis”, disse.

As relações de trabalho nas universidades públicas também têm sido violentas. “A universidade já foi um espaço fraterno, já teve um coletivo poderoso. Hoje não. Universidade não é mais um espaço de solidariedade. Nós arrebentamos o coletivo. As pessoas estão preocupadas com seu lattes, com produtivismos”, relatou o palestrante.

De acordo com ele, os dados obtidos nas pesquisas são, por vezes, “impublicáveis”. Dentre as ações mais recorrentes, há relatos de boicote a professores de diversas maneiras, como extravio proposital de material, transferência para outras unidades ou setores com menor visibilidade, exclusão das reuniões, incentivo a conflitos com estudantes e até perseguição por resistência à corrupção.

Um destaque interessante, feito por Heloani, apontou que em alguns espaços, como a universidade, as práticas de assédio moral tendem a ser mais “sofisticadas”, cínicas. Com, por exemplo, elogios seguidos de insinuações negativas.

Diferentemente de conflitos rotineiros, o assédio moral é caracterizado por ações frequentes, que visam denegrir, desqualificar e humilhar o trabalhador. Devido ao sofrimento emocional, provoca o isolamento da pessoa assediada, além de doenças somáticas e psicossomáticas.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização Mundial da Saúde (OMS), o transtorno mental, que inclui casos de depressão severa em função do trabalho, já é a segunda causa de afastamento do trabalho nesta década.

Na maioria das vezes, o assédio ocorre contra pessoas que não admitem a usurpação de certos direitos, que se colocam contrárias às práticas de autoritarismo, dirigentes sindicais ou pessoas mais conscientes politicamente. “Essas pessoas são consideradas perigosas. Elas incentivam o desenvolvimento da consciência, que não é interessante para a lógica gerencial”, afirmou.  

Além de incentivar a concorrência até mesmo no serviço público, a lógica neoliberal, que se aprofundou no Brasil a partir da década de 1990, se esforça em fragilizar os próprios direitos sociais de competência do Estado. A partir do ideal “Estado Mínimo”, os governos atacam serviços básicos e universais, como saúde, educação e previdência, reduzindo investimentos e desenvolvendo mecanismos para entregá-los à iniciativa privada.

“Os programas sociais estão sendo detonados pelo projeto neoliberal conservador, a partir da ideia de que Estado é oneroso, que os tributos são demais. Assim, promove-se a precarização dos serviços públicos, fortalecendo essa imagem no imaginário da população. Por exemplo, a previdência é superavitária e vende-se outra ideia para apavorar a população”, pontuou Heloani.

Além do afastamento do trabalho, doenças diversas, consumo excessivo de medicamentos, as relações violentas de trabalho motivam, ainda, muitos casos de suicídio. Muitos deles, de acordo com o professor, ocultados pelas empresas e pela mídia.

Reações ao assédio

A melhor reação ao assédio é coletiva, afirma o professor. “Não é possível combater assédio moral individualmente. Essa é uma questão de classe, uma questão coletiva, só vai poder ser resolvida assim. Não dá pra ir sozinho. Tem de ter apoio psicológico e coletivo”.

Até porque, segundo Heloani, ao enfrentar atos de assédio, o trabalhador corre o risco de passar de vítima a réu. Normalmente, o assediador tenta justificar seus atos a partir do comportamento da pessoa que sofre assédio. Esse será mais um golpe que o trabalhador terá de se recuperar nessa batalha.

“Assédio moral não é uma questão que possa ser resolvida sem consciência política. Quando se fala em assédio moral, fala-se em Estado, conceito de Estado, de servidor público. É muito difícil enfrentar todo esse contexto político sozinho”, concluiu o palestrante.

O debate foi realizado pelo Comando Local de Greve da Adufma-Ssind, e faz parte de uma programação organizada para fazer da greve um momento de reflexão e conscientização, não só da comunidade acadêmica, mas da sociedade em geral, já que os eventos são gratuitos e abertos ao público.
A próxima palestra será na segunda-feira, 14/09, às 14h, e terá o juiz federal e professor da USP, Marcus Orione, falando sobre “Flexibilização das Leis Trabalhistas”.

Luana Soutos
Assessoria de Imprensa do Comando Local de Greve da Adufmat-Ssind.   

Publicado em:  http://www.adufmat.org.br/


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