quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Assédio moral: um fantasma que ronda o serviço público



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Levantamento da OIT revela que 42% dos brasileiros já foram vítimas dessa prática, que começa a ser vista como um problema de saúde pública.  


Assédio moral: um fantasma que ronda o serviço público
Você é vítima de constantes humilhações, críticas exageradas e agressões verbais no seu local de trabalho? Se a resposta for sim, você está sofrendo assédio moral. O problema não é tão raro entre os trabalhadores brasileiros. Um levantamento da Organização Internacional do Trabalho revela que 42% dos brasileiros já foram vítimas dessa prática, que começa a ser vista como um problema de saúde pública. A situação pode ser ainda pior no serviço público, onde chefes assediadores podem destruir carreiras e levar o assediado a altos graus de estresse ou mesmo a pedir demissão, perdendo uma colocação duramente conquistada. E um alerta: a categoria dos professores de instituições públicas federais é uma das que mais sofrem assédio moral no Brasil, levando em consideração processos da justiça federal.

No mês de março, a Adufrgs-Sindical participou do seminário “Estado, Poder e Assédio: relações de trabalho na administração pública”, realizado em Curitiba. O evento, co­promovido pela Coordenação Nacional de Advogados dos Servidores Públicos (Cnasp) e diversas entidades, teve como objetivo proporcionar um debate e criar estratégias de atuação para combater o assédio moral nas administrações públicas. O 1° tesoureiro da Adufrgs, Vanderlei Carraro, participou do seminário. Segundo ele, a Adufrgs precisa estar atenta ao tema, pois os sindicatos não podem ficar omissos. “Já deve ter ocorrido casos de associados que sofreram assédio e nós fechamos os ouvidos e os olhos. Não queremos mais fazer isso”, afirma. Vanderlei informa que a Adufrgs-Sindical está debatendo o assunto internamente, com o objetivo de criar uma estrutura externa para analisar as denúncias na categoria. O dirigente cita como exemplo a Associação dos Professores da Universidade do Paraná (APUFPR), que constituiu um grupo interno, formado por profissionais da medicina, psicologia, psiquiatria, entre outras. Cabe a esse grupo avaliar se cada denúncia se configura ou não assédio moral. “O sindicato entra junto no processo jurídico, para defender o professor contra o assédio de não poder dar aula, de não receber sua dedicação exclusiva, de ser excluído de uma pós-graduação no exterior”, exemplifica.

O advogado da Adufrgs-Sindical, Francis Bordas, informa que, até hoje, os conflitos entre docentes têm sido resolvidos fora do sindicato. Segundo ele, é uma tradição da entidade não se envolver nos conflitos entre docentes, porque isso não está previsto nos estatutos. “O assédio moral é um assunto relativamente novo e jamais foi debatido amplamente na categoria”, justifica. De acordo com Bordas, quando o assunto é assédio moral, o sindicato caminha sobre ovos, pois teme ser mal interpretado se tomar partido. Contudo, ainda que polêmico, é um dilema a ser resolvido, já que o não envolvimento do sindicato pode ser confundido com a “defesa do agressor”. A conivência, nestes casos, contradiz um dos principais objetivos da ação sindical, que é defender a saúde do associado. “O assediador tem que saber que o sindicato está do lado do assediado, mas que isso não tira o direito dele como associado, inclusive de buscar assessoramento jurídico, médico ou psiquiátrico. Há um conflito de interesses entre os associados, sim, só que isso tem que ser posto de maneira muito clara pela categoria”, afirma. O dirigente da Adufrgs, Vanderlei Carraro, lembra que o sindicato cuida do associado em caso de assédio, sem julgar se culpado ou inocente. “Nosso compromisso é acolher e estar disponível, fazendo tudo que for necessário para que a verdade se estabeleça”, destaca.

O procurador regional da Pepública, Paulo Cogo Leivas, afirma que, no âmbito da Justiça do Trabalho, há uma jurisprudência consolidada, ações e, inclusive, medidas preventivas adotadas pelo Ministério Público do Trabalho. Segundo ele, no campo da administração pública, não está tão consolidado quanto na Justiça do Trabalho. Embora não tenha um levantamento preciso sobre o número de ações de assédio moral no País, o advogado Paulo Cogo Leivas informa que militares e professores de universidades públicas federais são as duas categorias com mais ações desta natureza.
O procurador defende que é preciso trabalhar a questão do assédio moral com uma ênfase maior na saúde do trabalhador, especialmente na saúde mental, e que sejam tomadas medidas preventivas para que os abusos não aconteçam. “As instituições precisam estar preparadas para que, quando identificada uma situação de assédio moral, imediatamente, sejam tomadas medidas de proteção à vítima”, opina Leivas. Como exemplo de prevenção, ele cita o afastamento do trabalhador assediado de seu assediador. “Caracterizada uma situação de assédio moral, deveria ter alguma forma de impedir que o trabalhador e o assediador mantenham a relação de trabalho, principalmente de subordinação”, destaca. Por outro lado, Paulo Cogo Leivas defende que as instituições devem submeter o tema às unidades existentes dentro das instituições, que trabalham na questão da saúde dos trabalhadores.

Assédio moral é problema de saúde
De acordo com o advogado da Adufrgs, Francis Bordas, o judiciário não pode ser a primeira opção para atender os casos de assédio moral, que é, segundo ele, um problema de saúde do trabalho. Assim, as vítimas de assédio devem procurar, primeiro, os profissionais de saúde para tratar dos problemas decorrentes deste tipo de ação. “O que tu vais conseguir no judiciário? No máximo, uma indenização. Uma remoção do local de trabalho. Talvez nem isso. E somente daqui a seis, oito anos. O que isso vai te adiantar?”, questiona. Por sua vez, o procurador regional da República, Paulo Cogo Leivas, destaca que a indenização é importante como forma de reparação, mas que também é necessário reforçar medidas de proteção à saúde do trabalhador no âmbito das instituições e medidas preventivas e cautelares no âmbito do Judiciário. Como exemplo, Leivas cita uma decisão inédita da Justiça, que, no ano passado, obrigou a Universidade Federal do Paraná (UFPR) a pagar multa em favor do sindicato (Apufpr). Determinou, ainda, que o valor da multa deverá ser investido em campanhas pela melhoria da saúde e das condições de trabalho dos docentes. A universidade paranaense foi condenada por prática de assédio moral institucional coletivo contra seus docentes.
A verdade é que sempre existiu assédio moral nas relações de trabalho. Nos últimos anos, porém, este tipo de caso tem ganhado mais notoriedade, inclusive dentro das instituições públicas de ensino. De acordo com o advogado da Adufrgs, Francis Bordas, o novo modelo de gestão, aplicado na administração pública a partir dos 90, baseado na eficiência e resultado dos servidores públicos, agravou o problema. Um exemplo, segundo ele, é a Gratificação de Estimulo à Docência (GED), extinta em 2008, que fomentou a competição e reforçou o individualismo entre os docentes, pois previa pagamentos diferenciados, segundo o desempenho de cada um. “Vários estudos apontam que o crescimento do assédio moral vem muito da forma como é cobrado o trabalho. Hoje, o professor é compelido a produzir. Num período em que é necessário brigar com unhas e dentes por uma quantia escassa de verbas para pesquisa, por exemplo, ao natural está se criando uma competição que nem sempre é sadia”, critica.


Situações que caracterizam o assédio moral

A forma mais comum de assédio moral se dá verticalmente, ou seja, na relação patrão-empregado. Mas também pode ser horizontal, entre colegas. O assédio moral se configura quando o trabalhador é submetido a situações humilhantes e constrangedoras. A vítima sofre com conduta abusiva, com violação ao respeito, à dignidade humana, cidadania, imagem e coação moral. Para ser configurado o assédio, tais práticas devem acontecer de forma repetitiva e prolongada durante a jornada de trabalho e no exercício das suas funções. Dessa forma, há a degradação deliberada das condições de trabalho, isolando uma vítima de um grupo, que passa a ser hostilizada, ridicularizada e inferiorizada, com a intenção de forçá-la a pedir demissão. O advogado da Adufrgs, Francis Bordas, cita um exemplo clássico de atitude que caracteriza o assédio moral: “Quando um chefe convoca uma reunião para às 10 horas com um trabalhador e para às 9 horas com todos os demais, e depois acusa este trabalhador de estar atrasado, ele está praticando uma sabotagem, que é uma forma de assédio moral.”


“Transformou minha vida num inferno”
Durante dois anos, o ex-professor de medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fernando Hintz Greca, sofreu seguidas ações típicas de assédio moral, praticadas por seu então chefe imediato. Tudo começou em 1998, quando Greca precisou se afastar da universidade para realizar uma operação cardíaca. Na ocasião, ele era o chefe da disciplina de técnica operatória e cirurgia geral. No retorno ao trabalho, foi convidado para atuar na área de cirurgia geral, onde, nos dois anos seguintes, foi submetido a diversas formas de assédio moral. “Esse homem transformou minha vida num inferno. Ele tirou minhas aulas, tirou minhas atribuições de professor. Toda a cirurgia de cólon, reto e ânus, que era minha área, eu não podia operar. Eu não podia exercer nada da minha profissão”, lamenta. A vítima lembra também que era impedida de fazer parte da banca do concurso de residência e de participar das provas de alunos monitores da Universidade. “Não me avisavam. Não me convidavam”, afirma. Segundo a vítima, outros colegas mandavam recados do agressor. “Se eu não calasse a minha boca e parasse de dar declarações que divergiam das dele, eu seria mandado embora. Até que chegou um dia que ele me demitiu”, relembra.

Ao longo dos dois anos que sofreu assédio na UFPR, o médico solicitou quatro vezes abertura de sindicância contra as atitudes de seu agressor. Todos os pedidos foram negados pela Universidade. Esgotada a via administrativa, Greca ingressou na Justiça do Trabalho contra a instituição e o assediador. Em 2012, depois de cinco anos, o processo foi julgado na Justiça Federal, que deu ganho de causa ao ex-professor. “Depois que acabou a ação, eu me aposentei. Não tinha mais vontade de voltar para a Universidade, que me tratou como criminoso. De alguma forma, feriu minha honra”, desabafa. Hoje, aos 63 anos, o médico dá aula em uma universidade privada em Curitiba. Fernando Greca revela que a melhor prova para configurar a prática de assédio moral, judicialmente, é guardar documentos que comprovem a ação. Outra dica é buscar apoio de alunos, residentes e secretárias, por exemplo, evitando colegas professores. “Não se acovarda. Não tenha medo. É a única maneira de mudar essa chaga vivida no serviço público”, recomenda.


Sem legislação específica sobre assédio moral
Não existe nenhuma legislação no Brasil que trate especificamente do assédio moral no ambiente de trabalho. Mesmo assim, os tribunais brasileiros julgam e condenam atos de assediadores, com base no artigo 186 do Código Civil, que trata do dano moral. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, menciona a lei. Existem muitos projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, cujo objetivo é regular o assédio moral no ambiente de trabalho no Brasil. Dois deles caracterizam esta pressão que afeta a dignidade dos trabalhadores (PL nº 4.742/2001 e PL 5.971/2001) como crime passível de detenção de 1 a 2 anos. Outro projeto de lei com a mesma finalidade, o PL 4501/2001, trata de penalizações aos servidores públicos que praticarem assédio moral contra seus subordinados. Este PL cria um artigo na Lei nº 8.212, com o seguinte conteúdo: “É proibido aos servidores públicos praticarem assédio moral contra seus subordinados, estando estes sujeitos às seguintes penalidades disciplinares: I – advertência; II – suspensão; III – destituição do cargo ou comissão; IV – destituição de função comissionada; V – demissão”.


Assédio moral será tema de disciplina na UFCSPA
O tema assédio moral começa a ganhar visibilidade também nas universidades. O próximo semestre na UFCSPA contará com uma disciplina eletiva sobre Assédio Moral. Paulo Cogo Leivas, que também é professor na universidade, informa que a disciplina, aberta a todos os cursos, vai estabelecer uma relação entre o tema assédio moral e direitos humanos. “É um tema interdisciplinar que envolve tanto discussões no campo do direito e da bioética, quanto no campo específico da saúde do trabalhador, especialmente no que diz respeito à saúde mental do trabalhador”, explica.


Efeitos na saúde do assediado
Um estudo realizado pela pesquisadora Margarida Barreto, intitulada "Uma jornada de humilhações", da PUC de São Paulo, com apoio da Fapesp, ouviu 870 pessoas que apresentaram sintomas prejudiciais à saúde após serem assediadas no ambiente profissional. Todos os homens pesquisados relatam “ideia de suicídio” e “sede de vingança”. Já a totalidade das mulheres revela “crises de choro”. Confira os dados completos da pesquisa:

                    Fonte: http://www.assediomoral.org/

Fonte: Revista Adverso

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