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Levantamento da OIT revela que 42% dos brasileiros já foram vítimas
dessa prática, que começa a ser vista como um problema de saúde
pública.
Assédio moral: um fantasma que ronda o serviço público
Você
é vítima de constantes humilhações, críticas exageradas e agressões
verbais no seu local de trabalho? Se a resposta for sim, você está
sofrendo assédio moral. O problema não é tão raro entre os trabalhadores
brasileiros. Um levantamento da Organização Internacional do Trabalho
revela que 42% dos brasileiros já foram vítimas dessa prática, que
começa a ser vista como um problema de saúde pública. A situação pode
ser ainda pior no serviço público, onde chefes assediadores podem
destruir carreiras e levar o assediado a altos graus de estresse ou
mesmo a pedir demissão, perdendo uma colocação duramente conquistada. E
um alerta: a categoria dos professores de instituições públicas federais
é uma das que mais sofrem assédio moral no Brasil, levando em
consideração processos da justiça federal.
No
mês de março, a Adufrgs-Sindical participou do seminário “Estado, Poder
e Assédio: relações de trabalho na administração pública”, realizado em
Curitiba. O evento, copromovido pela Coordenação Nacional de Advogados
dos Servidores Públicos (Cnasp) e diversas entidades, teve como
objetivo proporcionar um debate e criar estratégias de atuação para
combater o assédio moral nas administrações públicas. O 1° tesoureiro da
Adufrgs, Vanderlei Carraro, participou do seminário. Segundo ele, a
Adufrgs precisa estar atenta ao tema, pois os sindicatos não podem ficar
omissos. “Já deve ter ocorrido casos de associados que sofreram assédio
e nós fechamos os ouvidos e os olhos. Não queremos mais fazer isso”,
afirma. Vanderlei informa que a Adufrgs-Sindical está debatendo o
assunto internamente, com o objetivo de criar uma estrutura externa para
analisar as denúncias na categoria. O dirigente cita como exemplo a
Associação dos Professores da Universidade do Paraná (APUFPR), que
constituiu um grupo interno, formado por profissionais da medicina,
psicologia, psiquiatria, entre outras. Cabe a esse grupo avaliar se cada
denúncia se configura ou não assédio moral. “O sindicato entra junto no
processo jurídico, para defender o professor contra o assédio de não
poder dar aula, de não receber sua dedicação exclusiva, de ser excluído
de uma pós-graduação no exterior”, exemplifica.
O
advogado da Adufrgs-Sindical, Francis Bordas, informa que, até hoje, os
conflitos entre docentes têm sido resolvidos fora do sindicato. Segundo
ele, é uma tradição da entidade não se envolver nos conflitos entre
docentes, porque isso não está previsto nos estatutos. “O assédio moral é
um assunto relativamente novo e jamais foi debatido amplamente na
categoria”, justifica. De acordo com Bordas, quando o assunto é assédio
moral, o sindicato caminha sobre ovos, pois teme ser mal interpretado se
tomar partido. Contudo, ainda que polêmico, é um dilema a ser
resolvido, já que o não envolvimento do sindicato pode ser confundido
com a “defesa do agressor”. A conivência, nestes casos, contradiz um dos
principais objetivos da ação sindical, que é defender a saúde do
associado. “O assediador tem que saber que o sindicato está do lado do
assediado, mas que isso não tira o direito dele como associado,
inclusive de buscar assessoramento jurídico, médico ou psiquiátrico. Há
um conflito de interesses entre os associados, sim, só que isso tem que
ser posto de maneira muito clara pela categoria”, afirma. O dirigente da
Adufrgs, Vanderlei Carraro, lembra que o sindicato cuida do associado
em caso de assédio, sem julgar se culpado ou inocente. “Nosso
compromisso é acolher e estar disponível, fazendo tudo que for
necessário para que a verdade se estabeleça”, destaca.
O
procurador regional da Pepública, Paulo Cogo Leivas, afirma que, no
âmbito da Justiça do Trabalho, há uma jurisprudência consolidada, ações
e, inclusive, medidas preventivas adotadas pelo Ministério Público do
Trabalho. Segundo ele, no campo da administração pública, não está tão
consolidado quanto na Justiça do Trabalho. Embora não tenha um
levantamento preciso sobre o número de ações de assédio moral no País, o
advogado Paulo Cogo Leivas informa que militares e professores de
universidades públicas federais são as duas categorias com mais ações
desta natureza.
O procurador defende que é preciso
trabalhar a questão do assédio moral com uma ênfase maior na saúde do
trabalhador, especialmente na saúde mental, e que sejam tomadas medidas
preventivas para que os abusos não aconteçam. “As instituições precisam
estar preparadas para que, quando identificada uma situação de assédio
moral, imediatamente, sejam tomadas medidas de proteção à vítima”, opina
Leivas. Como exemplo de prevenção, ele cita o afastamento do
trabalhador assediado de seu assediador. “Caracterizada uma situação de
assédio moral, deveria ter alguma forma de impedir que o trabalhador e o
assediador mantenham a relação de trabalho, principalmente de
subordinação”, destaca. Por outro lado, Paulo Cogo Leivas defende que as
instituições devem submeter o tema às unidades existentes dentro das
instituições, que trabalham na questão da saúde dos trabalhadores.
Assédio moral é problema de saúde
De
acordo com o advogado da Adufrgs, Francis Bordas, o judiciário não pode
ser a primeira opção para atender os casos de assédio moral, que é,
segundo ele, um problema de saúde do trabalho. Assim, as vítimas de
assédio devem procurar, primeiro, os profissionais de saúde para tratar
dos problemas decorrentes deste tipo de ação. “O que tu vais conseguir
no judiciário? No máximo, uma indenização. Uma remoção do local de
trabalho. Talvez nem isso. E somente daqui a seis, oito anos. O que isso
vai te adiantar?”, questiona. Por sua vez, o procurador regional da
República, Paulo Cogo Leivas, destaca que a indenização é importante
como forma de reparação, mas que também é necessário reforçar medidas de
proteção à saúde do trabalhador no âmbito das instituições e medidas
preventivas e cautelares no âmbito do Judiciário. Como exemplo, Leivas
cita uma decisão inédita da Justiça, que, no ano passado, obrigou a
Universidade Federal do Paraná (UFPR) a pagar multa em favor do
sindicato (Apufpr). Determinou, ainda, que o valor da multa deverá ser
investido em campanhas pela melhoria da saúde e das condições de
trabalho dos docentes. A universidade paranaense foi condenada por
prática de assédio moral institucional coletivo contra seus docentes.
A
verdade é que sempre existiu assédio moral nas relações de trabalho.
Nos últimos anos, porém, este tipo de caso tem ganhado mais notoriedade,
inclusive dentro das instituições públicas de ensino. De acordo com o
advogado da Adufrgs, Francis Bordas, o novo modelo de gestão, aplicado
na administração pública a partir dos 90, baseado na eficiência e
resultado dos servidores públicos, agravou o problema. Um exemplo,
segundo ele, é a Gratificação de Estimulo à Docência (GED), extinta em
2008, que fomentou a competição e reforçou o individualismo entre os
docentes, pois previa pagamentos diferenciados, segundo o desempenho de
cada um. “Vários estudos apontam que o crescimento do assédio moral vem
muito da forma como é cobrado o trabalho. Hoje, o professor é compelido a
produzir. Num período em que é necessário brigar com unhas e dentes por
uma quantia escassa de verbas para pesquisa, por exemplo, ao natural
está se criando uma competição que nem sempre é sadia”, critica.
Situações que caracterizam o assédio moral
A
forma mais comum de assédio moral se dá verticalmente, ou seja, na
relação patrão-empregado. Mas também pode ser horizontal, entre colegas.
O assédio moral se configura quando o trabalhador é submetido a
situações humilhantes e constrangedoras. A vítima sofre com conduta
abusiva, com violação ao respeito, à dignidade humana, cidadania, imagem
e coação moral. Para ser configurado o assédio, tais práticas devem
acontecer de forma repetitiva e prolongada durante a jornada de trabalho
e no exercício das suas funções. Dessa forma, há a degradação
deliberada das condições de trabalho, isolando uma vítima de um grupo,
que passa a ser hostilizada, ridicularizada e inferiorizada, com a
intenção de forçá-la a pedir demissão. O advogado da Adufrgs, Francis
Bordas, cita um exemplo clássico de atitude que caracteriza o assédio
moral: “Quando um chefe convoca uma reunião para às 10 horas com um
trabalhador e para às 9 horas com todos os demais, e depois acusa este
trabalhador de estar atrasado, ele está praticando uma sabotagem, que é
uma forma de assédio moral.”
“Transformou minha vida num inferno”
Durante
dois anos, o ex-professor de medicina da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), Fernando Hintz Greca, sofreu seguidas ações típicas de assédio
moral, praticadas por seu então chefe imediato. Tudo começou em 1998,
quando Greca precisou se afastar da universidade para realizar uma
operação cardíaca. Na ocasião, ele era o chefe da disciplina de técnica
operatória e cirurgia geral. No retorno ao trabalho, foi convidado para
atuar na área de cirurgia geral, onde, nos dois anos seguintes, foi
submetido a diversas formas de assédio moral. “Esse homem transformou
minha vida num inferno. Ele tirou minhas aulas, tirou minhas atribuições
de professor. Toda a cirurgia de cólon, reto e ânus, que era minha
área, eu não podia operar. Eu não podia exercer nada da minha
profissão”, lamenta. A vítima lembra também que era impedida de fazer
parte da banca do concurso de residência e de participar das provas de
alunos monitores da Universidade. “Não me avisavam. Não me convidavam”,
afirma. Segundo a vítima, outros colegas mandavam recados do agressor.
“Se eu não calasse a minha boca e parasse de dar declarações que
divergiam das dele, eu seria mandado embora. Até que chegou um dia que
ele me demitiu”, relembra.
Ao
longo dos dois anos que sofreu assédio na UFPR, o médico solicitou
quatro vezes abertura de sindicância contra as atitudes de seu agressor.
Todos os pedidos foram negados pela Universidade. Esgotada a via
administrativa, Greca ingressou na Justiça do Trabalho contra a
instituição e o assediador. Em 2012, depois de cinco anos, o processo
foi julgado na Justiça Federal, que deu ganho de causa ao ex-professor.
“Depois que acabou a ação, eu me aposentei. Não tinha mais vontade de
voltar para a Universidade, que me tratou como criminoso. De alguma
forma, feriu minha honra”, desabafa. Hoje, aos 63 anos, o médico dá aula
em uma universidade privada em Curitiba. Fernando Greca revela que a
melhor prova para configurar a prática de assédio moral, judicialmente, é
guardar documentos que comprovem a ação. Outra dica é buscar apoio de
alunos, residentes e secretárias, por exemplo, evitando colegas
professores. “Não se acovarda. Não tenha medo. É a única maneira de
mudar essa chaga vivida no serviço público”, recomenda.
Sem legislação específica sobre assédio moral
Não
existe nenhuma legislação no Brasil que trate especificamente do
assédio moral no ambiente de trabalho. Mesmo assim, os tribunais
brasileiros julgam e condenam atos de assediadores, com base no artigo
186 do Código Civil, que trata do dano moral. “Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”,
menciona a lei. Existem muitos projetos de lei tramitando no Congresso
Nacional, cujo objetivo é regular o assédio moral no ambiente de
trabalho no Brasil. Dois deles caracterizam esta pressão que afeta a
dignidade dos trabalhadores (PL nº 4.742/2001 e PL 5.971/2001) como
crime passível de detenção de 1 a 2 anos. Outro projeto de lei com a
mesma finalidade, o PL 4501/2001, trata de penalizações aos servidores
públicos que praticarem assédio moral contra seus subordinados. Este PL
cria um artigo na Lei nº 8.212, com o seguinte conteúdo: “É proibido aos
servidores públicos praticarem assédio moral contra seus subordinados,
estando estes sujeitos às seguintes penalidades disciplinares: I –
advertência; II – suspensão; III – destituição do cargo ou comissão; IV –
destituição de função comissionada; V – demissão”.
Assédio moral será tema de disciplina na UFCSPA
O
tema assédio moral começa a ganhar visibilidade também nas
universidades. O próximo semestre na UFCSPA contará com uma disciplina
eletiva sobre Assédio Moral. Paulo Cogo Leivas, que também é professor
na universidade, informa que a disciplina, aberta a todos os cursos, vai
estabelecer uma relação entre o tema assédio moral e direitos humanos.
“É um tema interdisciplinar que envolve tanto discussões no campo do
direito e da bioética, quanto no campo específico da saúde do
trabalhador, especialmente no que diz respeito à saúde mental do
trabalhador”, explica.
Efeitos na saúde do assediado
Um
estudo realizado pela pesquisadora Margarida Barreto, intitulada "Uma
jornada de humilhações", da PUC de São Paulo, com apoio da Fapesp, ouviu
870 pessoas que apresentaram sintomas prejudiciais à saúde após serem
assediadas no ambiente profissional. Todos os homens pesquisados relatam
“ideia de suicídio” e “sede de vingança”. Já a totalidade das mulheres
revela “crises de choro”. Confira os dados completos da pesquisa:
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