terça-feira, 19 de julho de 2016

Considerações conceituais e as preocupações do SITRAEMG para que o servidor não seja prejudicado nas suas avaliações nos Tribunais

Por Arthur Lobato, responsável técnico pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral do SITRAEMG.


O servidor do judiciário federal deve estar atento a uma nova forma de perseguição relacionada à avaliação de desempenho: o desaparecimento das observações feitas pelo servidor que não concorda com tópicos de sua avaliação de desempenho, já que, muitas vezes, não condizem com a realidade. Foi relatado a diretores do SITRAEMG o desaparecimento das observações do servidor quando enviado para os setores próprios (desempenho e informática). Esta situação pode ser vista de dois ângulos: devido a um problema operacional da informática ou uma atitude proposital de uma chefia que quer prejudicar de qualquer forma o servidor. Não podemos esquecer que atitudes que visam prejudicar o trabalhador podem ser consideradas assédio moral. Segundo Marie France Hirigoyen, uma das maiores estudiosas do assunto, o assédio moral é toda conduta abusiva e repetitiva, manifestada por comportamentos, palavras ou gestos, que possam trazer danos à dignidade, integridade física e psíquica de uma pessoa no ambiente de trabalho.
A dúvida quanto ao motivo pelo qual as observações do servidor não foram computadas na avaliação do desempenho pode gerar sofrimento, pois prevalece a avaliação de uma chefia que teve interesse em prejudicar. É comum, com a mudança de chefias, que um servidor exemplar que sempre teve notas boas e avaliação excelente comece a sofrer perseguições, e a avaliação de desempenho é o momento em que chefe exerce seu poder, abusa da autoridade e pratica o autoritarismo com a intenção de prejudicar o servidor. Este tipo de avaliação punitiva gera angústia e a única forma de rebater este sintoma é quando o próprio servidor insere na avaliação de desempenho suas observações. Assim, a diretoria do SITRAEMG orienta todos os servidores terem uma cópia impressa de sua avaliação com suas observações e mantendo-a em uma pasta em seu computador pessoal.
Christophe Dejours, doutor em medicina, psicanalista, especialista em medicina do trabalho, psiquiatra, foi o responsável pela evolução da psicopatologia do trabalho para a psicodinâmica do trabalho, desenvolvida através de pesquisas sobre a relação de prazer e sofrimento vivenciada pelo trabalhador em diversos ambientes laborais, inclusive em uma usina nuclear.
Dejours é francês e esteve no Brasil a convite da Escola Judicial do TRT-4, em Porto Alegre, no dia 20 de abril de 2011. Estive neste evento, pois o considero uma das maiores autoridades da comunidade científica, e seu trabalho, publicado em vários livros  fundamenta o projeto saúde do trabalhador desenvolvido pelo SITRAEMG, o DSTCAM – Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral.
Christophe Dejours enfatizou uma mudança paradigmática resumida na frase “da sintomatologia para a etiologia”, ou seja, é necessário que entendamos as causas, a origem do adoecer do trabalhador, reforçando a necessidade da prevenção, e não apenas cuidar do sintoma, ou seja, da doença.
Atualmente, o aumento do número de doenças mentais por causa das condições de trabalho envolve a saúde do corpo (acidentes de trabalho, doenças laborais). As novas patologias, entretanto, afetam o aparelho psíquico. Se as doenças somáticas muitas vezes envolvem condições físico/químicas do ambiente de trabalho, as doenças psíquicas, segundo Dejours, “envolvem a organização do trabalho, a hierarquia, o controle, a vigilância, as relações de dominação no seio do trabalho e a dominação psíquica”.
O atual trabalho de Dejours, a psicodinâmica do trabalho, que analisa a relação trabalho/sofrimento, constata que “normalidade” do trabalhador seria um resultado precário, pois seu aparelho mental está em constante luta contra as pressões, os conflitos, o abuso de poder, e, de acordo com a subjetividade de cada um; os traços psicopatológicos se manifestarão na forma de sintomas variados: irritabilidade, insônia, choro, pesadelos, tristeza, desânimo; mecanismos de defesa do aparelho psíquico para simbolizar o mal-estar vivido. Assim, “o sintoma revela a fragilidade do paciente”, e também “os destinos possíveis da relação entre trabalho e subjetividade”.
Segundo este especialista, a avaliação de desempenho (quantitativa/qualitativa) pode causar a síndrome de “burn-out” e AVC por sobrecarga de trabalho. A necessidade de esforços repetitivos, cada vez mais rápidos, faz com que trabalhadores usem e abusem de medicamentos lícitos e ilícitos para diminuir a dor e suportar o ritmo alucinante do trabalho, “a loucura do trabalho”, título de uma de suas obras mais conhecidas no Brasil.
A avaliação de desempenho pode desestruturar coletivos do trabalho, pois institui a concorrência entre colegas. Se a avaliação de desempenho traz mudança de cargo, transferência de setor, demissão, então o sucesso do meu colega representa perigo, cria condutas desleais entre colegas. As avaliações negativas podem causar mais pressão na organização e melancolia por causa do trabalho, e até mesmo suicídio, um gesto derradeiro do trabalhador que recusa ceder a atos que não concorda, em desacordo com seus valores. O real do trabalho se transforma em fracasso e sofrimento. Portanto, conclui Dejours, esta forma de avaliação de desempenho desestrutura as relações entre os colegas e destrói a cooperação.
A saúde mental no trabalho passa por processos que envolvem o coletivo, e a maior prevenção é o tecido social, a solidariedade e o respeito entre os trabalhadores. Afinal, trabalhar é se relacionar com outros colegas, e falar ao colega de trabalho é um modo de nos reapropriarmos da nossa inteligência, pois há uma construção da identidade através do reconhecimento. O ser humano precisa interpretar as ordens e não simplesmente obedecê-las. É nosso processo cognitivo, nossa inteligência, o que nos diferencia dos animais, pois “um exército que só obedece, é um exército vencido”.
Segundo Dejours, as contradições da relação entre capital e trabalho são os motivos que conduzem ao adoecer do trabalhador e ao sofrimento físico, psíquico e emocional. A dignidade humana, portanto, tem que ser o valor supremo no mundo do trabalho, e para isso é necessário resistir e vencer as dificuldades do trabalho, mas nem todos conseguem, daí o adoecer, o sofrimento e o fracasso.
“Trabalhar é sofrer resistências” e o trabalhador se engaja nos esforços, em toda sua subjetividade, e nos relacionamentos com os colegas, portanto, afirma Dejours, “falar ao colega é um modo de nos reapropriarmos de nossa inteligência”, pois somos seres relacionais, o outro constrói minha subjetividade, e tanto no amor quanto no trabalho a construção da identidade é através do reconhecimento. Entretanto, como evitar sofrimento do trabalhador e ao mesmo tempo manter as regras rígidas da organização do trabalho?
O Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral do SITRAEMG (DSTCAM), do qual participo como responsável técnico, percebe claramente que muitos casos que levam ao adoecer do trabalhador estão no conflito, quando o superior hierárquico não aceita o diálogo e usa da hierarquia para práticas autoritárias, negando o saber do trabalhador, e muitas vezes, a prática do servidor agiliza o processo produtivo, mas, pela recusa ao diálogo, este servidor é perseguido, pois percebemos no judiciário a prática do autoritarismo como forma de domínio sobre os servidores, não se importando com as consequências para a saúde do trabalhador.
Não podemos esquecer que o REGIME JURÍDICO ÚNICO, LEI Nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, articula o estágio probatório com a avaliação de desempenho no Art. 20. Ao entrar em exercício, o servidor nomeado para cargo de provimento efetivoficará sujeito a estágio probatório por período de 24 (vinte e quatro) meses, durante o qual a sua aptidão e capacidade serão objeto de avaliação para o desempenho do cargo, observados os seguintes fatores:
I – assiduidade;
II – disciplina;
III – capacidade de iniciativa;
IV – produtividade;
V – responsabilidade.
Percebemos que, fora a assiduidade, os outros itens são avaliados pela percepção do avaliador, pois não há um critério objetivo, como o inicio e o final da jornada de trabalho marcada pelo ponto eletrônico, e muitas vezes, a percepção do chefe pode ser influenciada por simpatia e antipatia com o servidor.
Analisando a INSTRUÇÃO NORMATIVA GP N. 1, de 13 de junho de 2014, que regulamenta a gestão de desempenho e o desenvolvimento na carreira de servidores do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, percebemos nos artigos
Art. 2º A gestão de desempenho desenvolve-se entre gestor e servidor e entre gestor e equipe, devendo pautar-se por:
I – urbanidade;
II – objetividade;
III – comunicação clara e transparente;
IV – observância de interesses da Instituição e do servidor;
V – respeito às etapas da gestão de desempenho; e
VI – cumprimento de prazos.
Art. 3º São fundamentos da gestão de desempenho:
I – qualificação de servidor voltada para os objetivos da Instituição;
II – definição de padrões de desempenho para efetivação de atividades ou metas;
III – comunicação permanente sobre desempenho, baseada em fatores objetivos;
IV – acompanhamento contínuo e sistematizado do desempenho; e
V – aferição do desempenho realizado em comparação ao esperado, com intuito de aperfeiçoar os procedimentos e a qualidade de serviços prestados pela Instituição.
Ou seja, mais uma vez o aspecto subjetivo da avaliação prevalece sobre a objetividade.
Aconselhamos a todos estudarem esta instrução normativa para poderem fundamentar suas observações na crítica à avaliação da chefia.
Uma proposta que deve ser pauta dos sindicatos é a implementação da avaliação em 360 graus, ou seja, o chefe também seria avaliado pelos servidores. E caso isto ocorra, será que as observações do chefe avaliado sumiriam também?

Em tempo

Como documento é de extrema importância para a vida funcional do servidor, o Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral do SITRAEMG orienta todos os servidores, de todos os Tribunais, conferirem as observações constantes nos campos do avaliador e avaliado, para checar se a avaliação foi feita na mais estrita correção, e arquivarem com segurança suas avaliações de desempenho, para terem-na como referência e parâmetro em avaliações futuras.
 Arthur Lobato é psicólogo/saúde do trabalhadorResponsável pelo DSTCAM do SITRAEMG

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