Quando pensamos nos conflitos no trabalho, que muitas vezes evoluem para o assédio moral, devemos analisar a natureza humana, afinal somos seres do conflito, como já diziam os filósofos e os reformadores religiosos. Um dos textos mais antigos do mundo, o hindu Bhaghavad-gitã, mostra a luta do guerreiro Arjuna contra outros guerreiros, mas, principalmente, contra si mesmo. Neste texto milenar encontramos a definição de Arjuna sobre a mente dividida, uma das características do ser humano: “A natureza da mente é vacilante, às vezes ela aceita algo e imediatamente rejeita a mesma coisa. O aceitar e o rejeitar constituem o processo da mente”.
Este pensamento, que revela o ser clivado, dividido, tão bem analisado por Freud, encontramos também nos textos de um dos fundadores do cristianismo, o apóstolo Paulo, que escreveu na carta aos romanos: “Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero, isso não faço, mas o que aborreço isso faço”.
Assim, temos o primeiro tipo de conflito, o conflito intrapsíquico, ou seja, conflito entre mim e eu mesmo. Uma das causas do conflito intrapsíquico é a realidade da morte, que não podemos negar, mas que buscamos através da religião, da cultura, da arte, da loucura, subterfúgios para escapar dessa dura realidade, nossa mortalidade, esse conflito entre viver e morrer, que gera o pânico, o desespero, a ansiedade, a depressão e esse conflito só termina com a nossa morte. Entretanto, segundo as religiões, ainda seremos julgados por nossos atos e pensamentos e, assim, vivos ainda imaginamos nosso conflito pós-morte.
Se somos seres do conflito, como conviver um com o outro?
A resposta é o poder absoluto do estado sobre o indivíduo, fruto do pacto social, como Thomas Hobbes escreveu em sua obra “O Leviatã”. O estado na pessoa do soberano e de suas instituições será mais forte e poderoso que o indivíduo e julgará e punirá os conflitos entre seus súditos. Mas nos conflitos entre estados, que levam às guerras, conflito entre nações, que são na realidade conflitos entre seres humanos de países diferentes, não é mais a violência de um indivíduo, mas a violência da comunidade. Afinal, por que tamanha violência de um ser humano contra outro ser humano? Por que é tão difícil “amar o próximo como a ti mesmo”?
Freud, em sua obra “O mal estar na cultura”, já avisava: “fora da civilização somente existe a barbárie”, ou seja, ou o ser humano reprime seus instintos agressivos ou uma sociedade realmente humana jamais existirá, pois, como disse o psicanalista, fome e sexo são nossas pulsões primárias, e para satisfazê-las o ser humano realiza todas as transgressões, principalmente matar, eliminar quem se opõe ao seu desejo, por isso a sociedade é construída no recalque dessas pulsões primárias. Freud destaca em sua obra o “conflito de opinião”, que ocorre entre pessoas, e que pode levar à agressão verbal, agressão física e, no ambiente do trabalho, evoluir para o assédio moral.
No nosso campo de trabalho - a saúde do trabalhador - é muito comum no ambiente de trabalho os conflitos interpessoais, conflitos entre colegas, por diversos motivos, principalmente os conflitos de opinião. É o conflito interpessoal, conflito entre duas ou mais pessoas.
Se somos seres do conflito tanto ontogenicamente (o indivíduo), quanto filogeneticamente (a espécie humana), o que diremos dos conflitos que acontecem no trabalho? E o que dizer do serviço público, onde concursados de diferentes idades, formação cultural, religião, gênero, devem trabalhar juntos e conviver entre si por anos e anos? Só vendo o outro ao mesmo tempo como meu semelhante, mas respeitando sua alteridade, suas diferenças, características da subjetividade humana e praticando a tolerância podemos sobreviver enquanto espécie.
Por isso, é importante que saibamos que os conflitos interpessoais no trabalho são normais, pois o conflito é explícito, diferente do assédio moral, que é feito de forma oculta. Dejours, fundador da psicodinâmica do trabalho, a qual analisa a relação de prazer e sofrimento no trabalho, afirma que o conflito é positivo quando explicitado, debatido e que as partes envolvidas aceitem o que vai ser melhor para o trabalho a partir da análise do conflito e propostas de solução.
O mesmo não pode ser dito do assédio moral, pois há uma intenção de prejudicar com atos, gestos e palavras direcionadas contra uma pessoa, atos e palavras ditas de forma dissimulada, ambígua, gerando dúvidas na autoestima e na capacidade laboral do assediado. Importante no assédio moral é como o modelo de gestão e a organização do trabalho são componentes desse processo. Um modelo de gestão que pregue a competitividade e o individualismo transforma colegas em adversários e, muitas vezes, vale tudo para ter uma promoção ou um cargo ou função comissionada.
Sempre é bom lembrar o que é assédio moral: “uma conduta abusiva, intencional, frequente e repetida, que ocorre no ambiente de trabalho, e que visa diminuir, vexar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou um grupo, degradando as condições de trabalho, atingindo sua dignidade e colocando em risco sua integridade pessoal e profissional.” (Freitas, Heloani, Barreto - 2008)
Quando lutamos contra o assédio moral, trabalhamos com a prevenção e com um processo educativo no qual é importante lidar com conflitos, respeitando-se o outro, para também ser respeitado. Queremos dar visibilidade a este inimigo invisível no ambiente no trabalho, combater o psicoterror, a gestão por stress e a organização de trabalho que favorece o adoecimento dos trabalhadores, seja por permitir ou por não coibir o assédio moral.
Esta é uma luta política do SERJUSMIG, que há mais de dez anos é referência no combate ao assédio moral. No projeto Saúde do Trabalhador, há também o atendimento psicológico individual.
Importante também é o trabalho da Comissão Paritária/Assédio Moral criada pela lei 116/2011 e regulamentada no TJMG. É uma instância interna do Tribunal muito útil para mediações de conflitos no trabalho, contribuindo assim para um ambiente saudável no trabalho.
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