Por Arthur Lobato, psicólogo, responsável técnico pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG
Quando pensamos nos conflitos no trabalho, que muitas vezes evoluem para o assédio moral, devemos analisar a natureza humana – afinal, somos seres do conflito, como já diziam os filósofos e os reformadores religiosos. Um dos textos mais antigos do mundo, o hindu Bhaghavad-gitã, mostra a luta do guerreiro Arjuna contra outros guerreiros, mas, principalmente, contra si mesmo. Neste texto milenar encontramos a definição de Arjuna sobre a mente dividida, uma das características do ser humano: “A natureza da mente é vacilante, às vezes ela aceita algo e imediatamente rejeita a mesma coisa. O aceitar e o rejeitar constituem o processo da mente”. Este pensamento que revela o ser clivado, dividido, tão bem analisado por Freud, encontramos também nos textos de um dos fundadores do cristianismo, o apóstolo Paulo, que escreveu na carta aos romanos: “Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero, isso não faço, mas o que aborreço isso faço”. Assim, temos o primeiro tipo de conflito, o conflito intrapsíquico, ou seja, conflito entre eu e eu mesmo. Uma das causas do conflito intrapsíquico é a realidade da morte, que não podemos negar, mas que buscamos através da religião, da arte, da loucura, subterfúgios para escapar desta dura realidade, nossa mortalidade, esse conflito entre viver e morrer, que gera o pânico, o desespero, a ansiedade, a depressão e este conflito só termina com nossa morte. Entretanto, segundo as religiões, ainda seremos julgados por nossos atos e pensamentos, e assim, vivos ainda imaginamos nosso conflito pós-morte. Se somos seres do conflito, como conviver um com o outro?
A resposta é o poder absoluto do Estado sobre o indivíduo, fruto do pacto social, como Thomas Hobbes escreveu em sua obra “O Leviatã”. O Estado, na pessoa do soberano e de suas instituições, será mais forte e poderoso que o indivíduo e julgará e punirá os conflitos entre seus súditos. Mas nos conflitos entre estados, que levam às guerras, conflito entre nações, que são na realidade conflitos entre seres humanos de países diferentes, não é mais a violência de um indivíduo, mas a violência da comunidade. Afinal, por que tamanha violência de um ser humano contra outro ser humano? Por que é tão difícil “amar o próximo como a ti mesmo”? Freud, em sua obra “O mal estar na cultura”, já avisava: “fora da civilização somente existe a barbárie”, ou seja, ou o ser humano reprime seus instintos agressivos ou uma sociedade realmente humana jamais existirá, pois, como disse o psicanalista, fome e sexo são nossas pulsões primárias, e para satisfazê-las o ser humano realiza todas as transgressões – principalmente, matar, eliminar quem se opõe ao seu desejo, por isso a sociedade é construída no recalque destas pulsões primárias. Freud destaca, em sua obra o “conflito de opinião”, que ocorre entre pessoas, e que pode levar à agressão verbal, agressão física e, no ambiente do trabalho, evoluir para o assédio moral. No nosso campo de trabalho, a saúde do trabalhador, são muito comuns no ambiente de trabalho os conflitos interpessoais, conflitos entre colegas de trabalho, por diversos motivos, principalmente os conflitos de opinião. É o conflito interpessoal, conflito entre duas ou mais pessoas. Se somos seres do conflito, tanto ontogenicamente (o indivíduo) como filogeneticamente (a espécie humana), o que diremos nos conflitos que acontecem no trabalho? E o que dizer do serviço público, onde concursados de diferentes idades, formação cultural, religião, gênero, devem trabalhar juntos e conviver entre si por anos e anos? Só vendo o outro ao mesmo tempo como meu semelhante, mas respeitando sua alteridade, suas diferenças, características da subjetividade humana e praticando a tolerância, podemos sobreviver enquanto espécie.
Por isso, é importante que saibamos que os conflitos interpessoais no trabalho são normais, pois o conflito é explícito, diferente do assédio moral que é feito de forma oculta. Dejours, fundador da psicodinâmica do trabalho, a qual analisa a relação de prazer e sofrimento no trabalho, afirma que o conflito é positivo, quando explicitado, debatido e que as partes envolvidas aceitem o que vai ser melhor para o trabalho a partir da análise do conflito e propostas de solução. O mesmo não pode ser dito do assédio moral, pois há uma intenção de prejudicar, com atos, gestos e palavras direcionadas contra uma pessoa, atos e palavras feitas de forma dissimulada, ambígua, gerando dúvidas na autoestima e na capacidade laboral do assediado. Importante no assédio moral é como o modelo de gestão e a organização do trabalho são componentes deste processo. Um modelo de gestão que pregue a competitividade e o individualismo transforma colegas em adversários, e muitas vezes vale tudo para ter uma promoção ou um cargo ou função comissionada. Sempre é bom lembrar o que é assédio moral: “e? uma conduta abusiva, intencional, frequente e repetida, que ocorre no ambiente de trabalho, e que visa diminuir, vexar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou um grupo, degradando as condições de trabalho, atingindo sua dignidade e colocando em risco sua integridade pessoal e profissional” (Freitas, Heloani, Barreto – 2008). Quando lutamos contra o assédio moral, trabalhamos com a prevenção e com um processo educativo no qual é importante lidar com conflitos, respeitando o outro, para também ser respeitado. Queremos dar visibilidade a este inimigo invisível no ambiente no trabalho, combater o psicoterror, a gestão por stress, e a organização de trabalho que favorece o adoecimento dos trabalhadores, seja por permitir ou não coibir o assédio moral, esta é uma luta política do SITRAEMG, através do DSTCAM, que oferece ao sindicalizado atendimento psicológico e jurídico para enfrentar as adversidades no trabalho.
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