quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Atacar a estabilidade enfraquece o combate à corrupção, a eficiência e a responsividade no Serviço Público, afirma especialista

A Reforma Administrativa encaminhada ao Congresso pelo governo Bolsonaro em setembro tem entre seus alvos centrais a estabilidade dos Servidores Públicos, reconhecida no artigo 41 da Constituição Federal de 1988. Com exceção dos ditos cargos típicos de Estado, cujo período de estágio probatório tende a ser ampliado pela Reforma, todos os outros cargos e carreiras, de servidores atuais e futuros, estão sujeitos a mudanças que levam ao enfraquecimento ou fim da estabilidade. 

Um dos argumentos mais empregados tanto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, quanto por veículos da mídia comercial, é de que a adoção de uma dinâmica de demissões semelhante à do setor privado proporcionaria maior produtividade e inovação no setor público, estimulando os Servidores a trabalharem mais e melhor para preservarem o próprio emprego. A verdade, porém, é que isso pode causar o efeito inverso. 

 

Equilíbrio entre direitos e deveres

O cientista político Rubens Goyatá Campante, integrante do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG, explica que, ao contrário do que pregam os defensores da Reforma, a produtividade é obtida mediante uma relação equilibrada entre direitos e deveres, na qual o trabalhador é devidamente cobrado e avaliado por seu desempenho, mas tem seus direitos assegurados e respeitados. 

Esse equilíbrio, segundo o estudioso, inexiste no setor privado no Brasil, onde impera uma grande rotatividade da mão de obra, com trabalhos cada vez mais precários e temporários e a possibilidade de demissão a qualquer momento. “Isso não gera eficiência. Para dar continuidade à prestação de serviços e às políticas públicas, é necessário um corpo funcional estável e valorizado”, afirma Rubens, que é especialista no debate sobe o patrimonialismo e lançou, no último ano, o livro "Patrimonialismo no Brasil: corrupção e desigualdade"

 

Impessoalidade

Perdendo a estabilidade dos servidores, a sociedade também perde quanto à impessoalidade, um princípio fundamental do Direito Administrativo, segundo o qual o Estado não pode agir parcialmente, com vistas a beneficiar ou causar danos a pessoas específicas, mas visando sempre ao interesse da comunidade ou de um grupo amplo de cidadãos. 

“O objetivo é o governo das leis, e não das pessoas. Por essa razão, demitir um Servidor tem que ser algo realmente muito difícil. É lógico que não pode ser uma estabilidade absoluta, mas de modo algum se pode aceitar que o servidor e a população fiquem à mercê do sujeito que ganha a Presidência da República, o governo estadual ou a Prefeitura”, argumenta Rubens Goyatá, acrescentando que, se a Administração Pública prescinde do princípio da impessoalidade, o combate à corrupção fica enfraquecido. "A corrupção é a antítese do interesse público", define. 

 

Avaliação de desempenho

Atualmente, segundo a Constituição, um servidor só pode ser demitido após uma sentença condenatória transitada em julgado, mediante processo administrativo com direito a ampla defesa ou por uma avaliação periódica de desempenho. Esta última possibilidade deveria ter sido regulamentada. A Reforma vai permitir o uso da avaliação de desempenho como instrumento de punição e perseguição, consolidando uma tendência já presente no Serviço Público. 

"Frequentemente, o que vemos em tribunais, não é o uso impessoal e justo das avaliações para ajudar o servidor a crescer na carreira e no desempenho de suas funções, para corrigir e premiar, mas tão somente para punir, especialmente quando ocorre com base em critérios puramente subjetivos", comenta.

 

Comparação: Público x Privado

Recente estudo do Public Service Europe Union (PSEU), sindicato que representa cerca de oito milhões de servidores na Europa, analisou os desempenhos dos setores público e privado nas áreas de transportes, eletricidade, saúde, assistência social, prisões, telecomunicações e saneamento. A conclusão foi que a eficiência no setor público é maior. 

O estudo também recorda casos de privatizações de serviços municipais em Londres e Paris, com a subsequente reestatização. “A experiência nas duas capitais europeias demonstra que o setor público pode melhorar dramaticamente um serviço que havia sido privatizado. Em ambos os casos, aumentou a accountability e transparência, e bilhões de Euros/Libras esterlinas têm sido salvos”, aponta o texto.

Ao mesmo tempo, o PSEU amplia a visão, mostrando que a eficiência do Serviço Público não pode ser avaliada estritamente conforme os parâmetros de produtividade do setor privado, pois tem que envolver, ao mesmo tempo, a responsividade e o atendimento aos direitos dos cidadãos. 

"Produtividade, grosso modo, é o que você faz ou entrega, com aquilo que você tem: os outputs sobre os inputs. Medir a produtividade em uma empresa privada é simples, pois o parâmetro é o lucro. Porém, no Serviço Público, tem que ser levada em conta a transparência democrática, o atendimento dos direitos do cidadão, o interesse público", conclui o especialista.

 

Foto: Reprodução  / Sindipublicos

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