quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

5 anos depois, fornecimento de medicamentos para tratamento de doenças de saúde mental dobra em Brumadinho

 Às vésperas de completar cinco anos, a tragédia do rompimento da barragem de Brumadinho ainda afeta a saúde física e mental da população atingida. A cerimonialista Nayara Porto perdeu o esposo Éverton Lopes Ferreira na tragédia e conta que, no caso dela, o tempo não amenizou a dor da perda. Diagnosticada com depressão, a viúva de Éverton conta que “nunca imaginou viver de remédios”, mas precisa ser acompanhada por um psiquiatra desde o ocorrido.

São cinco anos de saudade e tristeza. Cinco anos de uma Nayara que hoje só consegue viver com remédios para equilibrar a mente
Nayara Porto, viúva de Éverton

Éverton Lopes Ferreira, tinha 32 anos, trabalhava como operador de empilhadeira na Vale e há seis anos era casado com Nayara. A viúva conta que passa por um “sofrimento mental constante” e que a tragédia interrompeu muitos sonhos. “Meu marido era um sonhador. Ele sonhava com a casa própria, em comemorar os 15 anos da filha, sonhava em vê-la formar e fazer faculdade”, recorda.

A professora do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maila de Castro, explica que casos como o de Nayara, que precisam lidar com a dor do luto e do trauma, precisam de atenção redobrada e que a tomada de decisão do poder público em relação à prevenção a desastres semelhantes são decisivos para ajudar as vítimas a seguirem em frente com suas vidas.

Ainda em 2019, ano da tragédia, a pesquisadora foi uma das responsáveis por um estudo realizado pelo Projeto Saúde Brumadinho, que atestou as condições relacionadas à saúde mental dos atingidos pela tragédia ao avaliar 2.740 moradores.

Na primeira fase, realizada em 2021, a pesquisa apontou que a depressão foi a condição mais prevalente (29,3%), seguida de sintomas de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (22,9%) e ansiedade (18,9%). Cinco anos após o desastre, Maila demonstra que os resultados são preocupantes e revelam que a prevalência desses sintomas é quase cinco vezes maior do que a média verificada na população brasileira. O estudo é coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais (Fiocruz Minas) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com participação da UFMG, e acompanhará as vítimas até 2029, quando a tragédia completará 10 anos.

A médica destaca, ainda, que o resultado da pesquisa é semelhante aos impactos observados em grandes desastres como o de Mariana, em 2015, quando 19 pessoas morreram no rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco.

“Esses dados são consistentes com a literatura que estuda tragédias, como Fukushima ou o atentado de 11 de setembro, que são cortes de grandes de acompanhamento em saúde mental, o que revela o impacto negativo da saúde dos sobreviventes”, explica ao citar o terremoto e tsunami que atingiram a cidade costeira japonesa em março de 2011 e o ataque terrorista em Nova York, em 2001.

O aumento no número de diagnósticos de doenças relacionadas à saúde mental é acompanhada por outros fatores, como o do fornecimento de medicamentos, além do vício em álcool e outras drogas. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Brumadinho, em 2018, foram distribuídas 68.919 caixas de medicamentos psicofármacos, número que chegou a 105.459 caixas em 2023. “Hoje distribuímos duas vezes mais ansiolíticos e antidepressivos do que antes da tragédia”, confirma a pasta, em nota.

A maior procura na rede de saúde da cidade são de medicamentos para tratar sintomas depressivos, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, ataques de pânico e outras condições de saúde mental oriundas da tragédia. O município recebeu da Vale R$ 200 milhões para serem usados ao longo dos anos para manutenção dos sistemas de saúde e assistência social.

Rituais funerários ajudam a encerrar o ciclo

Lúcia Aparecida Mendes Silva, de 58 anos, mãe de Tiago Tadeu Mendes da Silva, de 34 anos, também relata sua angústia. O corpo do seu filho, que era engenheiro mecânico recém-formado, ainda não foi localizado. Ele trabalhava na mina de Sarzedo e foi transferido para Brumadinho cerca de 20 dias antes do rompimento da barragem.

“Imagina esperar 5 anos por identificação? Quanto tempo mais de busca será necessário para ter uma identificação? Não poderei fazer o velório do meu filho e não poderei fazer o sepultamento dele”, desabafa. Atualmente, Lúcia, está afastada das suas atividades profissionais devido a um diagnóstico de depressão.

Irmã de Tiago Tadeu, Daiana Almeida, de 37 anos, diz que a família está angustiada e que prefere que as operações de buscas sejam interrompidas e o poder público foque na identificação de segmentos já encontrados nas áreas de busca.

“Até quando vamos esperar por essa identificação? Ele estava no local. Lá tem que ser construído um parque com plantas, porque ele está lá. Que seja construído no local do rompimento, na mina Córrego do Feijão, um parque arborizado para podermos ter esse momento de oração”, defende. Daiana diz conviver, assim como a mãe, com um diagnóstico de depressão, além de sintomas de estresse pós-traumático e ansiedade e é acompanhada de forma contínua por profissionais de saúde mental.

O psicólogo clínico Danty Marchezane comenta que a importância dos rituais de passagens é retratada desde a Grécia Antiga. O psicólogo menciona o conto de Antígona:

“Após a morte de Édipo, os dois filhos entram em guerra e ambos morrem. Dada a situação, o Rei passa a ser o tio de Édipo, Creonte, que estabeleceu que o corpo de um dos irmãos, Polinice, não receberia as honrarias tradicionais dos funerais, pois este tinha lutado contra a pátria. Já ao irmão, Etéocles, o Rei determinou que fossem dadas tais honrarias fúnebres. Antígona, irmã dos herdeiros e protagonista da peça, entendeu que esse procedimento do tio Creonte, agora Rei, era arbitrário, não respeitava as leis naturais mais antigas ou divinas que estabeleciam que todo homem devia ter o seu devido sepultamento”, conta.

O psicólogo ainda explica que a configuração da tragédia fez com que as pessoas não consigam vivenciar as fases do luto pela falta do sepultamento.

Estes rituais são necessários para a construção do processo de despedida e o início da fase do entendimento da perda
Danty Marchezane, psicólogo clínico

A reportagem apurou que familiares de outras três vítimas - que foram localizadas - decidiram não realizar o sepultamento e seguem esperançosos que outros segmentos corpóreos sejam encontrados nas operações. Renato Eustáquio de Souza, de 34 anos, trabalhava como soldador na mineradora Vale. Mais de dois anos após a tragédia, foi encontrado parte de seu fêmur, o que possibilitou a identificação pelo Instituto Médico Legal (IML). NO entanto, sua mãe Eva Aparecida de Souza decidiu não realizar o sepultamento só com esse segmento e, no mesmo ano, seu marido Geraldo Souza, que convivia com o diagnóstico de depressão, morreu vítima de um AVC.

Também é o caso de familiares de Vagner Nascimento da Silva, que trabalhava como operador de motoniveladora na barragem da mina Córrego do Feijão. Quatro meses após a tragédia, a mãe de Vagner, Arlete Gonçala de Souza da Silva, foi comunicada que um dos segmentos do filho havia sido encontrado pelo IML, mas a família se recusou a sepultar apenas uma parte do filho e se dedicou a uma luta para que as buscas continuassem. Arlete cogitou mudar de ideia após o pai de Vagner, Alderico Silva, ter sido diagnosticado com problemas pulmonares. Apesar disso, ele não quis sepultar apenas um fragmento do corpo do filho e morreu dois meses após o diagnóstico. Atualmente, Arlete continua na espera que outros fragmentos sejam encontrados. Vagner deixou esposa e uma filha.

A terceira vítima ainda não sepultada é Miraceibel Rosa. O homem, que tinha 38 anos na época do rompimento da barragem, trabalhava no local como funcionário terceirizado da Vale. Natural de Mariana, na região Central, e solteiro, tocava tarol em uma banda de um distrito da cidade. O irmão dele, Moacir Rosa Filho, conta que apenas cerca de 5% do corpo foi encontrado e que tem receio de que outros segmentos não sejam localizados.

A médica psiquiatra Maila de Castro explica que os rituais funerários são essenciais para concretizar a partida de um familiar e que entes enlutados precisam se unir em busca de rituais simbólicos para compartilhar dores, memórias e afetos, e assim assimilar a perda.

O desastre

Em 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem do córrego do Feijão, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, dava início a uma das maiores tragédias ambientais da história de Minas Gerais.

Às 12:28 daquele dia, a barragem B1 se rompeu, ocasionando o rompimento de outras duas barragens - BIV e BIVA. 272 pessoas morreram na tragédia – entre elas, dois bebês, de duas grávidas – e foram afetadas 26 cidades e 131 comunidades rurais, entre as quais estão indígenas e quilombolas. Ainda são procurados três pessoas.

Cerca de 12 milhões de m³ de rejeitos escaparam após o rompimento o que trouxe uma série de impactos e prejuízos ambientais e socioeconômicos. Os rejeitos afetaram a vegetação, fauna, flora e rios de mais de 20 municípios.

Repórter de Política Nacional e Internacional na rádio Itatiaia. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pós-graduanda em Comunicação Governamental na PUC Minas. Experiência no Legislativo e Executivo mineiro.

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