quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Especial Revista SERJUSMIG - Assédio no TJMG está relacionado à organização do trabalho

 


Conforme demonstra a história e os muitos desafios diários da luta sindical, sua principal missão é buscar qualidade laboral e de vida aos trabalhadores. Muitas das conquistas garantem de fato melhorias no cotidiano do trabalho, bem como avanços econômicos para a classe. No entanto, a saúde mental é desdenhada pelo mundo do trabalho, e segue desafio. 

Em julho, a imprensa comercial trouxe a público um grave caso de assédio sexual e moral na comarca de Divinópolis. Segundo as denúncias, um juiz e um assessor teriam submetido ao menos sete servidoras, estagiárias ou ex-funcionárias a maus tratos, humilhações, importunações sexuais e pressões para manterem relações íntimas, entre outras violências. Uma ex-estagiária também teria relatado agressão física.

O levantamento, fotos e vídeos suscitaram asco, revolta e perplexidade em quem duvidava que situações tão extremas pudessem ocorrer em ambientes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais-TJMG. 

Atestam-no as frequentes queixas e denúncias, especialmente de mulheres, acolhidas pelo Núcleo de Saúde do SERJUSMIG. Em muitos casos, a convivência torna-se tão insuportável que a pessoa assediada não vê outra solução a não ser mudar de setor, comarca ou, em casos extremos, pedir exoneração. 

 

O Judiciário é um terreno fértil para o assédio?

Segundo o psicólogo Arthur Lobato, integrante do Núcleo, as causas do sofrimento e adoecimento vão muito além do mero jogo de relações interpessoais entre indivíduos no ambiente laboral. Remetem, pois, à forma como se organiza o trabalho nos tempos atuais. “São efeitos danosos do assédio moral, da política verticalizada do ‘Judiciário 4.0’ e de políticas implementadas através de resoluções monocráticas”.

Relacionado a isso, a equipe multidisciplinar do Núcleo relata que, contrariando uma expectativa do início da pandemia, as reclamações por assédio moral aumentaram com o trabalho não presencial, ao invés de diminuírem. 

“Chegamos a receber, em 2021, dez ligações por semana, seja de assédio vertical (entre superior e subordinado), seja de assédio horizontal (entre sujeitos no mesmo nível hierárquico)”, recorda a assessora da diretoria Raquel Orlando. 

A avaliação de desempenho, um instrumento que deveria fornecer parâmetros para a melhoria do trabalho, frequentemente torna-se instrumento de intimidação, chantagem, ameaça. Em levantamento feito nas redes do SERJUSMIG em 2021, servidores que não quiseram ser identificados relataram que, por medo de receberem uma avaliação negativa, acabavam por aceitar condutas abusivas de superiores. 

 

Assediar é constranger e violar os limites do outro

O assédio moral compreende uma série de pressões abusivas, com gestos ou palavras, ameaças, constrangimentos e humilhações, que ferem a dignidade da pessoa, minam a capacidade laboral, causando sofrimento mental e físico. 

O assédio sexual, já tipificado no Código Penal brasileiro (artigo 216-A), envolve uma relação de poder, na qual o assediador tenta se valer de sua posição para constranger o assediado, obtendo vantagens sexuais. 

A equipe constatou que o assédio moral é muito mais frequente. Porém, o assédio sexual pode ter impactos ainda mais profundos na vida de quem sofre esse tipo de violência. “E, na maioria dos casos, o assédio sexual desencadeia situações de assédio moral no ambiente de trabalho”, acrescenta Raquel Orlando. 

 

Não dá para combater sozinho

“O ponto de partida é a pessoa assediada sinalizar para o outro que não aceita aquela conduta. A partir de então, é preciso também buscar ajuda”, aponta a psicóloga Ana Elisa Xavier.

Ao menor sinal de que enfrenta esse tipo de situação no ambiente de trabalho, o sindicalizado pode entrar em contato com a equipe de acolhimento, que verificará se há necessidade de acompanhamento psicológico, jurídico ou administrativo, encaminhando o caso para profissional competente.

“Além disso, é importante levantar estratégias de autoproteção, registrar as situações e perceber como pode sair desse quadro de violência”, completa a psicóloga.

O apoio dos colegas de trabalho também é fundamental. “Já tivemos casos no SERJUSMIG em que fomos procurados por servidores que se solidarizaram com colegas e fizeram contato, indicando que ali havia uma coisa errada. Então, fomos à comarca, conversamos com a equipe e, pouco tempo depois, tivemos um feedback positivo, antes mesmo que fosse necessária uma denúncia administrativa ou uma ação judicial”, lembra Raquel. 

Por fim, construir um ambiente de trabalho que não adoeça o trabalhador passa por uma luta política mais ampla de enfrentamento à precarização do trabalho. “Contra uma política excessivamente desumana de metas e produtividade que gera sofrimento e adoecimento. Pelos direitos do teletrabalhador, pelo direito à desconexão. Afinal, não somos máquinas, somos seres humanas de corpo espírito, sentimento e razão”, conclui Arthur Lobato.


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