Por Arthur Lobato, psicólogo, responsável técnico pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG.
O senso comum, ou seja, a ideologia fundamentada na moral do escravo, da ditadura da maioria sobre a genialidade, a competência, o saber, a beleza de um homem ou uma mulher estipula a virtude do vitorioso, do bom (aquele que pratica o bem) e do belo ou bela, seja humildade. Com este conceito de humildade enquanto virtude, a humanidade é escravizada por uma elite, que humilha, pisa, domina, exclui e exerce poder sobre os humildes, que nunca devem se revoltar ou questionar o que está estabelecido e com o apoio da religião nesta lavagem cerebral masoquista, afirma que os humildes herdarão o reino dos céus, apesar de quando mortos sermos enterrados debaixo da terra, tão distante do céu.
Assim como Nietzsche dizia na Genealogia da Moral, o nobre era bom e fazia o bem, e por oposição, o pobre era mau e praticava o mal. Cabia às elites, as classes dominantes, desde os grandes impérios teocráticos como Egito, Babilônia, passando depois pela mesma organização de dominados e dominadores na Grécia e em Roma, organizar e controlar o modo de vida dos povos sob seus domínios. O pobre, já diziam os romanos, só têm sua prole (filhos), daí o nome proletariado, que Marx revelou ser aquele que só tem a força de trabalho para ser explorada pelo dono da terra. O nobre, o aristocrata e depois o proletário têm sua força de trabalho explorada pelos donos dos meios de produção. Afinal, é sobre a exploração do pobre proletário, através da mais valia, que se obtém o lucro do capitalista. Toda propriedade é roubo, já afirmava Proudhon, socialista francês, contemporâneo de Marx. Mesmo na revolução industrial, o mundo fazia valer os direitos da nobreza vitalícia na posse da terra e dos negócios por causa do nascimento e uniões familiares em busca de mais poder. Sim, nascimento era e continua sendo destino, que vai separar os pobres dos ricos. O que dizer dos donos da terra, eternamente senhores, via herança, com a manutenção do dogma da exploração do homem pelo homem – a propriedade privada.
Mas os ricos e poderosos não são humildes, pelo contrário, eles humilham os mais fracos, constrangem, ameaçam, punem, demitem e exigem a servidão voluntária dos humilhados, sem revolta dos mesmos, pois, “foi assim, será assim, e nunca nada mudará”.
Mas qual relação desta introdução com o assédio moral? Primeiro que em todo assédio moral há uma relação de poder onde os atos de humilhar são uma constante no processo assediador, há quem humilha e quem é humilhado.
O conceito científico de assédio moral é “Assédio moral é uma conduta abusiva, intencional, frequente e repetida, que ocorre no ambiente de trabalho, e que visa diminuir, vexar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou um grupo, degradando as condições de trabalho, atingindo sua dignidade e colocando em risco sua integridade pessoal e profissional.” (Freitas, Heloani, Barreto).
Portanto, no assédio moral o que existe no ambiente de trabalho é também uma relação de poder sobre o mais fraco, principalmente, pelo uso do autoritarismo, do abuso do poder exercido pelo chefe sobre os subalternos.
É o assédio descendente, o mais comum pela assimetria da relação de poder. Existe também o assédio moral horizontal, praticado por colegas contra o próprio colega, mas na maior parte do assédio moral entre colegas há o apoio explícito da chefia, ou a omissão desta, validando os atos do assediador em seus ataques mortíferos, como neste caso que vamos relatar onde uma humilde servidora que lutando contra a pobreza, teve sua ascensão no mundo do trabalho ao ser aprovada em um concurso do judiciário federal há mais de 20 anos.
Ela sabe ler, cataloga fichas em ordem alfabética, mas nos dias de hoje é chamada por uma estagiária de burra, analfabeta e louca. Humilhações constantes sem motivos e desnecessárias no ambiente de trabalho. Religiosa, ora e suporta as humilhações diárias, as armadilhas da chefia, que compactua com a estagiária, diminui o volume do telefone, liga e depois diz que avisaram a ela que ligaram, mas ninguém atendeu, culpando e humilhando esta servidora que não entende o que está acontecendo. Suas funções vão sendo retiradas, e até mesmo o atendimento ao balcão é retirado dela em prol desta estagiária, desrespeitando assim os direitos de uma servidora pública concursada. A retirada de serviço é uma forma de humilhá-la, desmotivá-la e ser tachada de incompetente, ou seja, humilhação e desmoralização no ambiente de trabalho. Até suas idas ao banheiro são controladas.
Mas o que motiva esta mulher a procurar o sindicato? São inúmeros os ataques, repetidos, sistematizado, tanto da chefe como da estagiária, obviamente com o poio da chefia, o que era mera implicância virou assédio moral.
Mas a servidora reluta, humilde não quer conflito, mas não suporta mais tantas humilhações. Ser chamada de doida, burra e ver a estagiária correr para o balcão fazendo atendimento, o que seria função da servidora concursada. Até o cesto de lixo do banheiro foi motivo de “vistoria” da chefia, dizendo que ela “tomava banho no banheiro”, já que molhava o mesmo.
Mas, humilde e religiosa, suporta calada, orando e não querendo conflitos. Qual o motivo que a faz procurar o sindicato? Porque no verão anterior, um calor insuportável, a estagiária vira o ventilador só para si, mas isso ela suporta, o que ela não suporta é a proibição da estagiária de fechar a persiana e o sol da tarde bate direto em seu corpo, “até queima”, disse ela quando procurou o sindicato, pois chegou no seu limite. É óbvio que esta provocação tem um objetivo: que a servidora se desestabilize emocionalmente e seja tachada de “louca” definitivamente, e com testemunhas.
Neste caso, vemos claramente o exemplo do que é o assédio moral e como é feito. Percebemos claramente os ataques à honra e à dignidade da servidora, desvio de função em prol de uma estagiária, em detrimento dos direitos de uma servidora concursada. Esta servidora, não quer conflito, só quer se aposentar. É humilde, por isso é humilhada. Como não responsabilizar a omissão que ocorre nesta organização do trabalho na figura de uma chefia que permite e compactua com tudo isto acontecendo ao seu lado?
Enfim, o que começa como implicância, desrespeito aos humildes, se torna humilhação contra ela, e estas humilhações são sistematizadas e direcionadas contra uma pessoa. Isto é ASSÉDIO MORAL e deve ser combatido antes que mais seres humanos adoeçam, pois é tirada a dignidade, direito da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal.
Arthur Lobato
Psicólogo/saúde do trabalhador
Publicado em: http://www.sitraemg.org.br
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