domingo, 1 de outubro de 2023

Trabalho, adoecimento e solidariedade

 Nos últimos anos, foram relatados ao Núcleo de Saúde do SERJUSMIG-NSS uma série de transtornos emocionais e mentais de servidores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais-TJMG relacionados à uma nova organização de trabalho do judiciário no século XXI. 

Organização essa que sofre os impactos da tecnologia nos ambientes de trabalho e do modelo de gestão produtivista implementado nos tribunais após a criação do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, em 2002. Além dos relatos deste sofrimento e adoecimento relacionados ao trabalho, constatamos que muitos casos ultrapassam as questões psicossociais e de relacionamento interpessoal no trabalho. Para a equipe multidisciplinar do NSS, composta por diretores do SERJUSMIG, profissionais da psicologia e do direito, a maioria dos casos graves de sofrimento e adoecimento de servidores e servidoras relatados ao sindicato estão relacionadas ao assédio moral no trabalho. Sempre é bom lembrar o conceito de assédio moral, estudado e analisado pela Dra. Margarida Barreto, referência mundial na conceitualização científica e no enfrentamento sindical ao assédio moral, juntamente com o professor Roberto Heloani.

“Assédio moral é uma conduta abusiva, intencional, frequente e repetida, que ocorre no meio ambiente laboral, cuja causalidade se relaciona com as formas de organizar o trabalho e a cultura organizacional, que visa humilhar e desqualificar um indivíduo ou um grupo, degradando as suas condições de trabalho, atingindo a sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional." (Barreto & Heloani, 2018)

Para os autores acima, todo assédio moral é organizacional.

O assédio moral, o esgotamento por excesso de trabalho, a sensação de que por mais que se trabalhe sempre é exigido mais, a falta de reconhecimento e apoio institucional são as principais queixas. Este sofrimento e adoecimento podem ser os efeitos danosos do assédio moral, da política verticalizada do “Judiciário 4.0” e de políticas implementadas através de resoluções monocráticas.

Vivemos em um mundo de constantes transformações envolvendo novas tecnologias e programas de computador implementados no judiciário sem debate com a categoria, sindicatos de trabalhadores e associações de magistrados. Além disso, temos hoje várias modalidades de trabalho no mundo virtual (trabalho a distância em instituição ou empresa), processo acelerado pela necessidade de se trabalhar de forma remota durante a pandemia de Covid, com a criação de plataformas e aplicativos que facilitaram o home office, o teletrabalho, mas que requerem uma excelente conexão com a internet, o que não acontece em muitas cidades de Minas Gerais, dificultando e atrasando o trabalho e a produtividade. 

As mudanças no modo de se trabalhar com estas constantes mudanças tecnológicas, faz com que a tecnologia gere uma nova organização do trabalho, e novos processos cognitivos na relação do humano com a máquina neste mundo do trabalho no século XXI, seja na iniciativa privada ou no serviço público. Por fim, devem ser analisados e debatidos, os impactos na saúde com a aceleração do ritmo de trabalho nos tribunais, o aumento da carga de trabalho em virtude da transformação do processo físico em processo eletrônico, o que exige novas habilidades no trabalho, novas capacidades gerenciais para se administrar esta organização do trabalho que segue um modelo neoliberal produtivista, em que números devem ser alcançados, metas constantemente batidas e aumentadas a qualquer custo, mesmo que este esforço por parte do ser humano tenha como consequência sofrimento e adoecimento.   

A Emenda Constitucional - EC 95, que impede investimentos no serviço público por 20 anos, assim como o afastamento de servidores, seja por aposentadoria, férias, licença saúde ou gravidez, entre outras, tem como consequência um volume cada vez maior de trabalho, para poucos servidores e magistrados em relação ao número de processos, pois não há verba para novas contratações e concursos públicos, além de vivermos em uma sociedade litigiosa com os tribunais estaduais abarrotados de processos.  Estes são os fatores que consideramos como elementos da precarização das condições de trabalho, como no caso dos tribunais onde faltam servidores, há muito trabalho a ser feito e não se pode realizar concursos.

Por isso, no trabalho temos de ser mais solidários, pois o aumento de transtornos mentais e emocionais cresce cada dia mais conforme pesquisas do CNJ e do INSS. Ninguém quer adoecer, o assédio moral é um longo processo de sofrimento, uma jornada de humilhações como bem disse em seu livro a Dra. Margarida Barreto em 2002. Contra o individualismo, vamos ser solidários com o colega em sofrimento. Não vamos transferir para quem volta de uma licença saúde os problemas que são da organização do trabalho, a qual em vez de contratar um novo servidor para fazer o trabalho de quem adoeceu e se afastou por licença saúde, seja virtual, híbrido ou presencial, simplesmente repassa o serviço do adoecido para quem estava na ativa, sobrecarregando este profissional que se revolta com a licença saúde do adoecido, seu colega, que não suportou a precarização das condições de trabalho, o autoritarismo das chefias, a falta de empatia e solidariedade dos colegas, sofreu assédio moral e todos se calaram, e agora, após um longo período de sofrimento, adoecimento, tenta voltar as atividades laborais, ainda inseguro, precisando do apoio emocional e cognitivo dos colegas. 

Muitas vezes, no período que o adoecido se ausentou do trabalho para recuperar sua saúde, mudanças tecnológicas aconteceram em sua repartição. Assim, sem apoio das chefias e dos colegas, muitas vezes o adoecido em sua volta ao trabalho sofre críticas, olhares agressivos ou de desprezo dos próprios colegas, que em vez de se unir e junto com o sindicato lutar por melhores condições de trabalho, combatendo e denunciando o assédio moral, sexual, a discriminação e o racismo, sendo solidário com os colegas que voltam ao trabalho ainda adoecidos, preferem culpar o colega em vez da organização do trabalho e o projeto neoliberal produtivista desta nova organização do trabalho chamada pelo próprio CNJ do “Judiciário 4.0”.

Temos de ser mais solidários e pensar no outro como semelhante, apesar das diferenças culturais, etárias etc. Fazemos parte de uma mesma humanidade e, para aqueles idealistas como nós que acreditam que um mundo melhor é possível, sejamos mais solidários e vamos humanizar nossas relações interpessoais no trabalho, na família e na sociedade.

A saúde do trabalhador é um projeto político. Devemos enfrentar o assédio moral, a precarização, ficar unidos, categoria e diretoria do sindicato nas lutas políticas sindicais no legislativo, executivo e judiciário. A luta política da direção do SERJUSMIG conquistou a contratação de 1.400 concursados. Esta é a nossa luta política em prol da saúde do trabalhador: lutar contra a precarização das condições de trabalho, contra uma política excessivamente desumana de metas e produtividade que gera sofrimento e adoecimento. Pelos direitos do servidor em teletrabalho, pelo direito a desconexão, afinal não somos máquinas, somos seres humanas de corpo, espírito, sentimento e razão.

 

* Arthur Lobato é consultor especializado na área de saúde do trabalhador e combate ao assédio moral. Membro do Núcleo de Saúde do SERJUSMIG

 

SERJUSMIG :: Trabalho, adoecimento e solidariedade

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