terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A necessidade de inserir os riscos da violência invisível como acidente de trabalho: reflexões sobre o Encontro dos Oficiais de Justiça

Por Arthur Lobato, psicólogo, responsável técnico pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG.
No dia 7 de dezembro, foi realizado no TRT/MG um encontro com os oficiais de justiça, promovido pelo Comitê de Saúde criado pela resolução 207 do CNJ (veja a matéria).
Como profissional de saúde e responsável pelo Departamento de Saúde do Trabalhador  e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG dois fatos me chamaram a atenção.
A hipertensão dos oficiais de justiça está bem acima da média dos servidores. Haverá alguma relação com o trabalho do oficial, que é externo, de enfrentamento, e conflituoso?
O oficial de justiça ao cumprir sua função de ser “os longos braços da lei”, conforme comentado pela Desembargadora Dra. Denise Horta, que também foi oficial de justiça, muitas vezes sofre tanto violência física como pressões psicológicas, que afetam seu organismo alterando emoções, hormônios e neurotransmissores. HAVERÁ PORTANTO ALGUMA RELAÇÃO ENTRE A HIPERTENSÃO E A ATIVIDADE LABORAL?
Tudo indica que sim. Entretanto, quando se falou dos acidentes de trabalho, a questão da violência foi posta em evidencia, tanto na capital, quando se trabalha nos aglomerados e regiões de alta periculosidade como no interior, conforme relatos da oficial Elimara Gaia, que também é diretora do SITRAEMG e já foi assaltada e capotou o carro no exercício de sua função, assim como a situação de um oficial mantido em cárcere privado, e as possíveis sequelas psicológicas sobre este servidor.
Para exemplificar, vamos imaginar o caso de um oficial agredido com uma coronhada, ele sofreu uma agressão, que deixa marcas visíveis no corpo, passível de ser comprovada no exame de corpo de delito do IML, e a partir daí providencias podem ser tomadas contra o agressor, consolidando o acidente de trabalho, que no caso de afastamento por licença médica conta como tempo de aposentadoria, diferente da licença saúde, quando não for por acidente de trabalho.
Mas imaginemos também  outra situação, quando um oficial de justiça fica sob ameaça de arma apontada em sua cabeça por vários minutos, com ameaças verbais do malfeitor.
Obviamente, não haverá nenhuma marca visível. É a chamada violência invisível que pode gerar uma série de sintomas como choro, sensação de impotência, perda de confiança, medo, vergonha,  sintomas que podem evoluir para um caso de depressão ou ansiedade. Mas este caso não é visto pela instituição como acidente de trabalho, mas o trauma pode gerar mais sofrimento que no caso da agressão física. É o caso de pessoas que sofrem sequestro relâmpago e são mantidas prisioneiras no porta-malas do carro. Não houve agressão física, mas o medo, a tensão, o estresse, gerado por este fato pode ter como consequência o estresse pós-traumático (EPT), e esta pessoa pode ter aversão a entrar em um carro, e só de passar perto do local do sequestro revive emocionalmente o trauma. O estresse pós traumático é uma síndrome descoberta nos veteranos de guerra e soldados em combate que mesmo não sendo feridos, vivenciavam uma situação tão traumatizante que ficavam incapacitados de voltar à luta.
No filme “Patton”, interpretado por George C. Scott, há um fato real em que um soldado vítima do estresse de guerra está em uma enfermaria do exercito e o general chama seu sofrimento de fingimento, esbofeteia o recruta e o obriga a voltar ao front. Incidente que o faz perder o comando e ser forçado a pedir desculpas públicas pelo ocorrido.
Este tipo de atitude ainda permanece até hoje, pois tanto a violência invisível, como o sofrimento psíquico não podem ser mensurados, afetam a subjetividade de cada um e como emoções não podem ser medidas ou visualizadas, a vítima sofre duas vezes: durante a violência psicológica, no estresse pós-traumático, e na dúvida dos que julgam e diminuem seu sofrimento como se fosse um exagero e durante o período depressivo.
A depressão é uma doença invisível, silenciosa, cuja cura é demorada e os medicamentos são paliativos. O deprimido também sofre pois há dúvidas de médicos amigos e colegas se ela não esta fingindo, ou exagerando. Conselhos como: “falta Deus em sua vida”, “você é tão nova, tem a vida pela frente”, “depressão é desculpa de gente que não quer trabalhar”, são constantes e geram mais sofrimento na vítima de depressão, doença invisível sem que haja uma relação de causa e efeito entre o sintoma e o órgão que causou a doença.
Por exemplo, se a pessoa tem a pele amarelada, os exames vão indicar uma hepatite e o órgão responsável pela doença é o fígado, portanto, há uma relação de causa e efeito entre o sintoma físico e o órgão que provocou a doença. Mas as doenças psíquicas são doenças mentais, emocionais, a relação de causa e efeito é mais difícil de ser localizada, pois  há uma série de agravantes  como a genética, vida social, familiar e o trabalho como fatores que podem ou não agravar o sofrimento mental e emocional até virar uma doença como a depressão ou a síndrome de pânico, que é o novo nome da ansiedade.
Quem já cuidou de familiares com depressão sabe da dificuldade de tirá-lo de casa, e a melhora do paciente, quando se consegue levar o deprimido à uma festa, um passeio ou uma viagem à praia. Aqueles que não sabem o que é uma depressão ficam ironizando, “está ruim para o trabalho e bom para passear”,  como se o deprimido tivesse que ficar prisioneiro em sua casa em sua dor, e não lutar contra ela com o apoio de amigos familiares, medicamentos, acompanhamento psiquiátrico e psicológico. Encerro este artigo, alertando para a necessidade de se inserir as consequências da violência invisível, que não deixa marcas, como no caso do assédio moral e outros tipos de violências invisíveis a terceiros, com a fala de uma paciente que me autorizou a divulgar este pensamento em textos e palestras como forma sensibilizar outras pessoas, para melhor  entender seu sofrimento, já que ela tinha uma depressão crônica e foi aposentada por invalidez com apenas 42 anos: “preferia ter sido atropelada, estar em um hospital com pernas quebradas, costelas fraturadas, deitada imobilizada, engessada em uma cama, pois aí as pessoas veriam meu sofrimento, já que por ser deprimida ninguém acredita no tanto que eu sofro e luto contra esta doença”, doença que segundo a Organização Mundial de Saúde será o mal estar do século XXI.
Temos que ampliar o conceito de acidente de trabalho para os riscos psicossociais causados pela violência que não deixas marcas visíveis, mas traumas e sofrimentos difíceis ou demorados para se curar.

Arthur Lobato

Psicólogo/saúde  do trabalhador


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