O
assédio moral, mais do que apenas uma provocação no local de trabalho –
como sarcasmo, crítica, zombaria e trote –, é uma campanha psicológica
com o objetivo de fazer da vítima uma pessoa rejeitada. Ela é submetida a
difamação, abusos verbais, agressões e tratamento frio e impessoal.
A
definição integra uma decisão judicial do STJ, de relatoria da ministra
Eliana Calmon, em um dos muitos casos de assédio moral contra
servidores públicos que chegam ao Poder Judiciário.
Quando
o ambiente profissional é privado, a competência para jugar casos de
assédio é da Justiça do Trabalho. Se ocorre em órgão público, a
jurisdição é da Justiça comum – estadual ou Federal -, tendo o STJ como
instância recursal, segundo informa a própria Corte.
Embora
trabalhadores da iniciativa privada sejam mais vulneráveis a esse tipo
de abuso, a estabilidade no emprego dos servidores públicos não impede o
assédio, seja moral ou sexual.
A lei 10.224/01 introduziu o artigo 216-A no CP,
tipificando o assédio sexual como crime. A pena prevista é de detenção
de um a dois anos, aumentada de um terço se a vítima for menor de idade.
Confira a jurisprudência mais recente do STJ sobre o tema, em casos de assédio julgados pela Corte nos últimos três anos.
Improbidade administrativa
REsp 1.286.466 - Assédio
moral e sexual são atos contrários aos princípios da administração
pública e sua prática se enquadra como improbidade administrativa. No
caso, foi demonstrado que o prefeito de uma cidade gaúcha perseguiu
servidora que denunciou problema com dívida do município ao MP/RS. Seguindo
o voto da relatora, a turma reformou a decisão de segundo grau, que não
reconheceu o assédio como ato de improbidade, e restabeleceu
integralmente a sentença que havia condenado o prefeito à perda dos
direitos políticos e multa equivalente a cinco anos de remuneração
mensal à época dos fatos.
Assédio sexual
Em
outro processo, a 2ª turma manteve decisão da Justiça catarinense que
condenou um professor de matemática da rede pública estadual à perda do
cargo com base na lei 8.429/92, a lei de improbidade administrativa. Ele foi acusado de assediar sexualmente suas alunas em troca de boas notas.
A condenação foi imposta com base no artigo 11 da lei de improbidade, segundo o qual “constitui
ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”. A jurisprudência estabelece ser necessária a presença de dolo na conduta para que ocorra o enquadramento nesse artigo.
Segundo
o relator, ministro Humberto Martins, o dolo foi claramente
demonstrado, pois o professor atuou com intenção de assediar as alunas e
obter vantagem indevida em função do cargo que ocupava, “o que subverte
os valores fundamentais da sociedade e corrói sua estrutura”.
AREsp
51.551 - Uma orientadora educacional pediu na Justiça indenização por
danos morais alegando ter sido transferida de cidade por perseguição
política do chefe. O pedido foi negado em primeira e segunda instância,
por não ter sido comprovado o nexo de causalidade entre a conduta
discricionária da administração e os danos morais que a autora disse ter
sofrido.
No
recurso ao STJ, a servidora alegou omissões e contradições na análise
das provas do assédio moral. O relator, ministro Benedito Gonçalves,
verificou que a decisão de segundo grau observou o fato de que a
transferência da servidora foi anulada por falta de motivação,
necessária para validar atos da administração. Contudo, não houve
comprovação da prática de perseguição política ou assédio moral. “Ao
que se pode perceber do trecho do depoimento em destaque, não se
conhece a prática de atos de perseguição política ou de assédio moral,
de sorte que as doenças de que foi acometida a autora não podem ter suas
causas atribuídas ao município”, concluiu a decisão.
Considerando
que o tribunal de origem se manifestou sobre todas as questões
relevantes para a solução da controvérsia, a 1ª turma negou o recurso da
servidora.
RMS
23.504 - Aprovado em concurso para o TJ/RO, um engenheiro elétrico foi
reprovado no estágio probatório e foi à Justiça alegando ter sido vítima
de assédio moral profissional. Em mandado de segurança contra ato do
presidente da Corte e do chefe do setor de engenharia, ele alegou que
suas avaliações foram injustas e parciais, e apontou vícios no processo
administrativo e no ato de exoneração do cargo.
Para
a ministra Laurita Vaz, relatora do recurso em mandado de segurança
analisado pela 5ª turma, o engenheiro não conseguiu demonstrar, com
prova documental pré-constituída, a existência de qualquer fato ou
conduta dos superiores capazes de caracterizar o assédio.
Quanto
à alegação do engenheiro de que suas avaliações de desempenho no
estágio probatório não foram realizadas por uma comissão, a ministra
ressaltou que a jurisprudência do STJ entende que essa avaliação deve
ser feita pela chefia imediata do servidor, pois é a autoridade que
acompanha diretamente suas atividades.
Segundo a relatora, o Estatuto do Servidor (lei 8.112/90)
dá ao funcionário público o direito de submeter a avaliação de sua
chefia ao crivo de uma comissão. No caso, contudo, o engenheiro não se
insurgiu contra nenhuma das cinco primeiras avaliações realizadas por
seu superior hierárquico.
Excesso de trabalho
RMS 25.927 - Oficiais de Justiça do Estado de SP alegaram que sua excessiva carga de trabalho configurava assédio moral. Argumentaram que, além de estarem submetidos a um volume de trabalho “muito acima do razoável” na 1ª e 2ª varas da comarca de Leme, o presidente do tribunal paulista determinou que eles exercessem suas funções cumulativamente, por tempo determinado, com as da 3ª vara da mesma localidade, sem prejuízo das obrigações originais e em horário normal de trabalho.
Segundo os servidores, a prorrogação do acúmulo de funções seria ilegal e abusiva, configurando assédio moral e trabalho extraordinário sem a devida contrapartida financeira. Eles apontaram a carência de servidores e queriam a realização de concurso público.
A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso em mandado de segurança dos servidores, considerou que não foram comprovadas – com prova documental pré-constituída – a existência de assédio moral, nem a prestação de serviço extraordinário sem a devida remuneração. Quanto ao concurso público, ela disse que sua realização é prerrogativa exclusiva da administração.
Hora de parar
Quando
o Judiciário não reconhece – de forma bem fundamentada – a ocorrência
do assédio, insistir no assunto pode ter resultado ruim para quem acusa.
Exemplo disso foi o julgamento de um agravo regimental no agravo em
recurso especial pela 4ª turma.
Essa
sequência de instrumentos processuais revela o inconformismo da autora.
Depois de a ação de indenização por danos morais ter sido frustrada em
primeira instância, o TJ negou a apelação da autora e não admitiu que o
recurso especial fosse levado ao STJ. Os magistrados do RS entenderam
que ela não conseguiu provar que o réu tivesse praticado qualquer
atitude desrespeitosa contra si.
Mesmo
assim, a autora entrou com agravo pedindo diretamente à Corte Superior
que analisasse o caso, o que foi negado monocraticamente pelo relator.
Após, ela apresentou agravo regimental para levar o pleito ao órgão
colegiado. Resultado: foi multada por apresentar recursos manifestamente
sem fundamento.
Dez
testemunhas foram ouvidas. Algumas confirmaram o choro, mas ninguém viu
o suposto contato físico. Outras afirmaram que o médico tem
comportamento normal e que suas demonstrações de afeto não têm conotação
sexual. Além disso, a própria autora foi vista no dia anterior do
suposto beijo forçado aproximando-se por trás do colega de trabalho e
dando-lhe um beijo no rosto e um doce. “O hospital é ambiente propício
para fofocas”, disse uma testemunha.
Para os magistrados gaúchos, não há prova razoável de que o médico tenha cometido o assédio. “Não
se desconhece que em casos dessa natureza deve haver uma valoração
especial da palavra da vítima. Todavia, a versão da autora deve ser
cotejada com o contexto probatório”, concluiu a decisão que foi mantida pelo STJ (AREsp 117.825).
Fazer
uma denúncia falsa de assédio sexual – que é crime previsto no CP –
pode ser ainda pior, pois configura denunciação caluniosa, que também é
crime. O delito consiste em dar causa à instauração de investigação
policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito
civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe
ato ilícito de que o sabe inocente.
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