quinta-feira, 13 de junho de 2019

Extinção do servidor público?

Por Francisca Reis, filiada, servidora pública e Doutoranda em Ciências Jurídicas.
Uma das frases de Martin Luther King, que marcou sua luta pelos direitos civis, na América, em prol dos negros, diz: “o que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Qual a importância dessa frase para o servidor público no Brasil?
Eu digo: muita.
Vejamos: O ingresso do serviço público, antes da Constituição de 1988, em regra, decorria de mera contratação, sem concurso público ou sem qualquer outro procedimento para se aferir a capacidade técnica, intelectual do pretenso ocupante do cargo ou emprego público. Era, portanto, uma porta aberta para a proliferação do nepotismo, do clientelismo e do apadrinhamento, que beneficiava determinado grupo social privilegiado pela conjuntura política.
Uma das conquistas do povo brasileiro, com a redemocratização do país, foi à inclusão dos direitos e garantias fundamentais no texto da Constituição de 1988, que alberga como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, Inciso III da CF).
O princípio da dignidade da pessoa humana, adotado como pilar dos Estados Democráticos de Direito do pós-Segunda Guerra Mundial, é, portanto, a bússola para toda ordem jurídica que, recheada de princípios e regras, destina-se a promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação como prescreve artigo 3º, inciso IV da CF.
Entre os princípios magnos consagrados na Constituição de 1988, tem-se o direito de igualdade que está previsto em seu artigo 5º caput, o qual decorre dos ideais revolucionários franceses,  pautados no Iluminismo e consagrada na fórmula, “liberté, egalité e fraternité“, que se espraia sobre todos os ramos do direito, devendo ser observado em todas as relações sociais.
O direito de igualdade se evidencia sob o aspecto formal, ou seja, no sentido de que a lei deve, em regra, tratar todos de forma igual; e no sentido material quanto se confere privilégios para que determinados grupos tenham acesso à inclusão social.
Vale dizer que a igualdade material (igualdade de acesso ao usufruto de direitos) pressupõe “um tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades”. Frase de Aristóteles, repetida por Rui Barbosa e que, atualmente, é vista como a fórmula para a realização da justiça substancial necessária para a promoção da dignidade humana em um Estado Democrático de Direito, preocupado com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o ser humano vale pela simples existência.
Na Administração Pública, o concurso público é a forma ética de promoção da igualdade, pois possibilita a todas as pessoas que preencham os requisitos legais, a oportunidade para ingressar no serviço público, com aferição da capacidade técnica, intelectual e até moral do pretenso servidor público, cuja previsão repousa no artigo 37, inciso II da CF. A própria Carta Magna prevê princípios e regras que consagram outros direitos, bem como deveres a serem observados pelos agentes públicos.
No dia 11 de dezembro de 1990, a lei 8.112 regulamentou a Constituição Federal nesse aspecto e um rol de direitos e deveres foi consagrado aos servidores públicos. Todavia, essa norma vem, ao longo desses anos, sofrendo diversas alterações legislativas, como as consagradas nas  Lei 8.270/ 91,  9.527/97, 9.624/08, 11.784/08, 11.907/09, 12.627/11, 13.172/15, entre outras leis infraconstitucionais, medidas provisórias e Emendas Constitucionais, com destaque para EC 19. Todo esse rol de leis, em regra, suprime direitos dos servidores públicos.
E pergunto: o que estamos fazendo para impedir essa derrocada de direitos? Estamos satisfeitos? Estamos com medo? Por que não nos incomodamos?  Por que estamos calados?
E a resposta a essas perguntas precisa ser objeto de reflexão.
Estamos calados e inertes diante do mal que, gradativamente, vem assolando nossos direitos e como diz Martin Luther King “quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele”. Portanto, está na hora de acordarmos, pois nenhum cavalheiro montado em um cavalo branco, com sua armadura de ouro e sua espada reluzente vem nos salvar.
Estamos diante do projeto de Reforma da Previdência (PEC 6/2019), denominada jocosamente de “PEC da morte” por ser extremamente nociva aos trabalhadores, dentre eles, o servidor público, que é o grupo mais prejudicado por essa pretendida nova previdência. Dessa forma, precisamos nos unir e nos levantar para nos defender.
Não podemos ser punidos por um rombo na previdência do qual não temos culpa, isto porque restou demonstrado no relatório final da CPI do Senado que as empresas  privadas devem R$ 450 bilhões à Previdência, que em dados atualizados chega perto de um trilhão, exatamente a quantia que o governo quer retirar dos trabalhadores, em benefícios de sonegadores, que deveriam ser processados, punidos e obrigados a reparação dos danos.
Estamos correndo o risco de trabalhar até morrer, sem poder desfrutar de uma velhice saudável e farta.
Mas, muitos dirão: vamos viver até 120 anos; vamos ganhar o valor equivalente ao teto da previdência e ainda podemos juntar um dinheirinho na previdência privada.
A primeira reflexão que sugiro é: indagar. Será que vou ganhar o teto da previdência mesmo? Será que o valor desse teto vai acompanhar os índices da inflação? Qual a segurança jurídica que se tem? A previdência privada vai complementar satisfatoriamente a minha aposentadoria? Por quanto tempo? E se a previdência privada sucumbir, quem vai pagar os meus proventos?
Os brasileiros, em regra, não pensam no futuro e, por via de consequências, não costumam fazer planejamentos. Está na hora de mudar, pois o futuro está na nossa porta e não se apresenta com ar de boas visitas.
Não se deve acreditar que se algum dia houver mudanças nessas circunstâncias atuais de crise, algum governo vai querer mudar para melhor a vida do servidor público. Uma vez promulgada essa nociva reforma ou nova previdência, jamais haverá uma melhoria.
Com efeito, o cenário tem tendência a ficar pior e o seu emprego também está em jogo. Ora, os dois direitos que hoje nos dão uma certa tranquilidade por sermos servidores  públicos é a estabilidade, que já está ameaçada e a garantia de uma aposentaria integral, que até para os que ingressaram no serviço público, antes de 2003, poderá não mais ser assegurada. A pretensão desse governo é destruir as garantais e direitos dos trabalhadores.
Um dos fenômenos jurídicos da atual conjuntura política, que já se traduz numa ameaça aos servidores públicos estáveis, é a permissão irrestrita da terceirização no serviço público, que aos poucos substituirá os cargos públicos, e como consequência o retorno do nepotismo, do clientelismo e do apadrinhamento, ante a inexistência de exigência do concurso público. É uma forma de burlar a Constituição e atender os desejos retrógrados de um grupo social, que sempre se beneficiou com a politicagem, corrupção e desrespeito à coisa pública.
Na Justiça do Trabalho, os efeitos desse retrocesso social serão bem mais nocivos, pois basta uma simples análise da Reforma Trabalhista, que pode-se perceber que foi idealizada com intuito de esvaziar essa Justiça especial e, com isso, torná-la desnecessária, o que vai justificar sua extinção. A consequência disso será nefasta: a perda de emprego dos servidores públicos vinculados a esse ramo do Poder Judiciário.
Muitos poderão dizer: isso é pessimismo e nunca vai acontecer. Eu digo: já está acontecendo a olhos nus. A política de fim do concurso público defendida pelo governo é bem clara.
Outros dirão: essa reforma não vai me atingir, pois já tenho direito adquirido. E digo: quem garante que direito adquirido é respeitado nesse País, pois segundo a fala de determinado Ministro, a Constituição Federal deve ser interpretada de acordo com os anseios sociais, logo, se a classe dominante quiser, basta usar a imprensa e utilizar a técnica de repetição de mentiras pelos meios de comunicação, que ela conseguirá o desejo social para mudar a interpretação de qualquer norma. A realidade está a demonstrar a manipulação das pessoas, como o ódio disseminado por meios de notícias falsas em redes sociais.
Na verdade, o que temos por certo é a insegurança jurídica e, por isso, devemos nos unir por uma causa comum para assegurar nosso direito a manutenção do emprego e da aposentadoria.
Devemos nos despir de conceitos ideológicos e partidários para buscamos a coesão na luta contra os opressores. Uma democracia forte é aquela em que o povo age e exige de seus representantes o cumprimento das leis e respeito à dignidade da pessoas humana.
Essa nova previdência é uma afronta à dignidade da pessoa humana e simplesmente caminha na contramão dos objetivos da República em construir uma sociedade livre, justa e solidária com a promoção do bem de todos, sem discriminações.
Democracia é luta diária, é persistência, é briga, é revolução, enfim, é o povo nas ruas. Afinal, “é o governo do povo, para o povo e pelo povo” como disse  Abraham Lincoln.
Servidor Público! Vamos à luta!
Francisca Reis 
Filiada, servidora Pública e Doutoranda em Ciências Jurídicas.

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