sexta-feira, 28 de junho de 2019

O vírus, a vontade e o sofrimento mental



Por Arthur Lobato, psicólogo, responsável técnico pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral.

Recentemente fui acometido de um vírus que me deixou gripado, com tosse, faringite, me deixando impossibilitado para o trabalho: todos conhecemos estes sintomas, são as gripes ou resfriados. 

Neste estado doentio, o corpo pede descanso, repouso. O cérebro não consegue exercer suas atividades cognitivas. É impossível escrever um texto no computador, abrir e-mail, ler um livro e ver um filme, só dá sono. Como diriam os antigos, só há um remédio: vitamina C e cama, e esperar a luta dos anticorpos contra o vírus com ajuda de medicação. Entretanto, a mente teima em tentar trabalhar, pois, de tão condicionados ao trabalho parece que não é permitido ficar doente, mas o corpo se recusa, dizendo estou doente, não adianta a mente querer fazer algo, pois a vontade, que é um ato mental, é insuficiente para comandar o corpo doentio. O processo mental envolve uma enorme demanda de fluxo sanguíneo para o cérebro, e para isso o corpo tem de estar descansado e bem alimentado – é por isso que nas gripes e resfriados ficamos impossibilitados de trabalhar. O organismo não está apto para fornecer energia ao cérebro, pois encontra-se em luta para vencer a doença. 

Concluímos portanto, que a vontade de se curar pouco influi na evolução da doença. A vontade só vai permitir que, para me curar, tenho que tomar medicamentos e repousar. Estes são os únicos atos da vontade na luta contra o vírus. 

Falei deste caso que todos conhecemos por tê-lo vivenciado, afinal, quem não ficou resfriado, achando que dava conta de trabalhar, mas foi impedido pelo corpo fatigado, pela coriza que não para de escorrer pelas narinas, pela tosse seca ou com catarro e espirros. Até mesmo o semblante de quem está gripado é alterado e os colegas mesmo dizem: você não está bem, vá a um médico. Muitas vezes, só com a confirmação do olhar do outro, com a autorização do chefe, reconhecemos que não temos condições de trabalhar. 

Este olhar do outro, que evidencia em nós a doença, é importante para que a mente assuma que estamos doentes e temos que descansar. Muitas vezes, vamos gripados ou adoecidos ao trabalho, espirrando, tossindo, assoando o nariz para que os outros vejam nossa doença e não achem que é fingimento, de tão obcecados e necessitados que estamos diante deste significante que é a essência de nossa vida, o trabalho. Mas, no caso do sofrimento mental, não há sintomas visíveis como no caso de gripes e resfriados. 

Talvez um semblante mais triste, olhos inchados de tanto chorar, uma face que revela o cansaço de uma noite sem dormir, mas o sofrimento mental é algo totalmente subjetivo. Só pode ser revelado pelo discurso de quem sofre, e quem sofre não quer revelar seu sofrimento, com medo de parecer fraco, fingido, pois racionalmente pode ser uma pessoa jovem, bonita, com emprego, boa família e situação financeira estável – ou seja, pela lógica não teria motivos para estar deprimida. 

O maior sofrimento de uma pessoa deprimida se deve ao fato de sua impotência de sair da depressão. Mais uma vez a vontade é um argumento dos que não sabem o que é uma depressão, como se vontade fosse uma força mágica que curaria a depressão. Já vimos que, no caso das gripes e resfriados, a vontade não tem nenhuma influência na cura, mas nos casos de depressão, exige-se que a pessoa tenha vontade de sair deste quadro depressivo quando ela é a doença em que a ausência de vontade é um dos fatores que a caracterizam como tal. 

Assim, o deprimido, ou aqueles que estão em sofrimento mental, sofrem duplamente: primeiro, com a doença que o incapacita para o trabalho e para a vida; depois, com o olhar de desaprovação dos colegas de trabalho, amigos e companheiros ou companheiras amorosos. Como se, num passe de mágica, a vontade pudesse superar a depressão. Isto é o que dói mais, a não aceitação de dor vivida, pelo outro. 

Voltando ao caso da gripe, sabemos que existe um vírus, que é a causa do resfriado, há remédios, vacinas que vão atacar a causa (vírus) para conter o efeito (doença). Mas, e no caso de sofrimento mental, onde está a origem do sofrimento? No cérebro? No coração – como se achava antigamente, mas que com os transplantes provou-se que todo processo de sofrimento mental e emocional está no cérebro, pois se o amor estivesse localizado no coração, quando se fizesse um transplante este órgão recebido manteria os amores do doador, o que de fato não acontece? 

Então voltamos ao grande conflito da medicina: onde se localiza, no cérebro, o sofrimento mental? Uma incógnita, pois o cérebro seria como o hardware de um computador, mas o que nos faz relacionar com o mundo e conosco são os chamados processos mentais, sendo a mente os softwares que serão usados pelo cérebro. Temos vários “aplicativos” mentais: emoções, cognição, volição, memória, entendimento, raciocínio, os quais atuam de forma interativa, se compararmos o modelo cérebro/mente com o computador. Mas, diferentemente das máquinas, que até podem raciocinar como no caso da Inteligência Artificial, temos algo que só os humanos têm — a emoção—, e a emoção é sempre mais forte que a razão. Somos governados por nossas emoções. E o que podemos falar da paixão senão como uma emoção que suplanta qualquer lógica ou raciocínio? Assim como a emoção é mais forte que a razão, a vontade é limitada nos casos de sofrimento e adoecimento mental. 

Sempre me lembro de uma paciente jovem, bonita, que foi aposentada por invalidez por um quadro de depressão crônica, a qual, nas sessões de atendimento psicológico, me relatava que o que mais doía era o fato das pessoas não acreditarem em seu sofrimento, e dizerem frases como “falta vontade”, “você é tão nova”, “falta deus em sua vida”. Ou seja: é como se ela estivesse fingindo ou não tivesse vontade de sair do quadro depressivo. 

Termino com uma frase que ela me falou e me autorizou a compartilhar. Ela me disse que poderia usar em meus textos e palestras para ver se as pessoas entenderiam melhor o que é o sofrimento mental e emocional: —“queria ter sido atropelada em vez de estar deprimida, pois se fosse atropelada, estivesse no hospital com as costelas e pernas quebradas, enfaixada com ferimento no rosto e no corpo, as pessoas veriam o meu sofrimento; mas no caso da depressão, que é um sofrimento, que não deixa marcas no corpo, parece que as pessoas não veem o deprimido como alguém que sofre mais que o atropelado”. 

Por isso, penso ser necessário ter muito carinho e apoio para quem retorna ao trabalho depois de um quadro depressivo, pois a pessoa está se reequilibrando no mundo de novo, e o apoio dos amigos e colegas de trabalho é essencial para ajudar o portador de sofrimento mental a enfrentar e superar sua dor. 

O DSTCAM do SITRAEMG está à disposição de todos os servidores e servidoras que estejam passando por sofrimento e transtornos psíquicos emocionais. Conte conosco no SITRAEMG. 

Arthur Lobato

Psicólogo/saúde do trabalhador

Publicado em: http://www.sitraemg.org.br

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